quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Silvia Araújo Motta


1
Simbolizando a amargura
que nos traz alguma ausência,
absinto, florzinha pura,
tem muito aroma na essência.
2
A acácia, branca ou vermelha,
é um arbusto ornamental,
em cujo nome se espelha
uma amizade imortal.
3
Seu cor-de -rosa discreto
muita elegância revela;
mas fala de amor secreto,
se for acácia amarela.
4
Vênus, brilhante e formosa,
pelo adônis, sem ação,
viu nascer, toda chorosa,
a flor da separação.
5
Uns brotos de azul-roxeado
tem o agapanto em novembro...
É o buquê mais cobiçado
que se oferece em dezembro.
6
Amoreira vem do Amor
dos jovens apaixonados.
Sangue verteram. Que horror!
Morrendo os dois abraçados.
7
Zéfiro se apaixonou,
por Anêmona e sem dor,
sua esposa o transformou:
em bela ninfa ! Em flor!
8
Costumo sempre afirmar
que angélicas perfumadas
e puras fazem lembrar
Marias “imaculadas”...
8
Da Colômbia, esta flor cresce
nos vasos, em clima quente.
Antúrio, em sombra, floresce:
vermelha de amor ardente.
10
Artemísia, flor ativa,
filha de “Artêmis” dileta,
mas, ciumenta e vingativa,
sugere raiva secreta.
11
A bétula inspira a vida.
Tê-la sempre, ai quem me dera!
Na Rússia é a mais escolhida:
simboliza a primavera.
12
Se tens a pele sardenta,
passa-lhe frescas boninas,
que chegarás aos setenta
mais menina que as meninas.
13
Botão-de-ouro todos querem,
disso nós temos certeza;
AMARELO...alguns preferem,
mas simboliza a avareza.
14
A camélia sedutora
é a flor do arrependimento
e do perdão...É a doutora
diplomada em sentimento.
15
No Japão a cerejeira
dos Samurais é mascote,
e numa visão guerreira,
de pai para filho é dote.
16
Chorões, em ramos pendentes
lacrimejam delirantes,
os “nunca mais”comoventes
dos amigos...dos amantes...
17
Cipreste? - Fúnebre ação
na vida é longevidade,
evoca a ressurreição
e a incorruptibilidade.
18
Ah, se o cravo amor revela,
todo amor, quando se inflama,
põe um cravo na lapela
do coração de quem ama.
19
Licor de cravo é gostoso,
seu vinho é sensacional.
Mel de rosa é saboroso
e também...medicinal.
20
Na terra do “sol nascente”
Crisântemo tem tradição.
Do Japão a toda gente,
simboliza a perfeição.
21
Crista-de-galo, eu diria,
simboliza vigilância...
Jardim que essa flor vigia,
parece um Jardim de Infância.
22
Imponente como o sol,
a Glória, a Fé e Dignidade,
paixão louca é girassol
pleno de felicidade.
23
Pondo o sol no amor dos noivos
com pétalas coloridas,
eles, os líricos goivos
unem almas e unem vidas.
24
Gypsophila tem beleza
nos canteiros de nossa alma.
Dos anjos herdou pureza,
colhida transmite a calma.
25
O jacinto é flor de afeto
simbolizando a constância.
Do amor de Apolo repleto
é a flor da fé e da arrogância.
26
Atributo de Maria
da graça e amabilidade.
O jasmim traz alegria
tem graça e simplicidade
27
O lírio é depois da rosa
preferido pelo artista.
É flor de vida amorosa,
em casamento altruísta.
28
Madressilva é trepadeira
de flores bem perfumadas!
No verão, quando altaneira,
tem cores mais variadas.
29
Malva é o símbolo do médico
que, por seu perfume, acalma,
se estiver doente, indico:
só uma folha basta à alma.
30
No jogo do bem-me-quer,
margarida é virgindade,
dispensando o mal-me-quer
é inocente de verdade.
31
Pela ninfa castigado,
por vaidade, com certeza,
Narciso foi condenado
a perder toda a beleza.
32
Orquídea tem, na verdade,
lá na China o seu ritual:
desperta a sensualidade
e a beleza espiritual.
33
A petúnia é persuasão
e, assim, por ser convincente
é uma flor que dá lição
de firmeza a toda gente.
34
Rosa branca, ó flor divina,
és símbolo da pureza,
da virtude peregrina
do bem Deus - a realeza.
35
Quatro folhas? Trevo tem,
todas com felicidade,
amor e sorte também
um sonho na realidade.
36
Na Holanda, a tulipa um dia,
ganhou fama retumbante,
mas, nativa da Turquia
tem a forma de um turbante.
37
A natureza agradece
a quem planta com carinho...
Flores e frutos merece
quem põe a paz , no caminho.
38
Ao fulgor de uma ilusão,
linda flor desabrochou,
mas no outubro, a decepção
folhas, o vento soprou.
39
Ponha flores às janelas
do universo sem fronteira
que ele perfuma em parcelas
seus jardins da vida inteira.
40
Quantas flores posso ter...
perfumes posso comprar...
Só uma flor queria ser

a que pode te abraçar...

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Roberto Resende Vilela


1
A educação esmerada,
ao preparar para o novo,
conduz, em sua escalada,
à identidade de um povo.
2
Alegria verdadeira,
neste mundo de ilusão,
é sonhar a vida inteira...
sem tirar os pés do chão.
3
A luz que jorra na fonte
que os olhos não podem ver,
amplia mais o horizonte
que a nuvem tenta esconder !
4
A mentira, com extrema
e total habilidade,
tem passado, sem problema,
como exemplo da verdade!
5
A noite, pela cidade…
coração triste e alma nua,
eu sempre encontro a saudade
me procurando na rua!
6
Ao som do despertador,
erga-se alegre... sorria!...
E agradeça ao Criador
pelo sol de um novo dia!
7
A Trova bem construída...
que aos bons princípios conduz,
pelos escuros da vida
é uma cascata de luz!
8
Cai a chuva... o rio inunda...
o vento torce o arvoredo...
Mas, se a raiz é profunda,
nenhuma planta tem medo!
9
Com belas coreografias
no chão e na imensidade,
as aves, todos os dias,
dão lições de liberdade!
10
Da varanda da fazenda,
uma saudade sem fim
escuta aquela moenda
que agora só range em mim!
11
Embora longe e tardia,
com débil luminescência,
a estrela do amor nos guia
pelas noites da existência.
12
Esta mulher que me inspira
– Musa na luta esculpida –
é ingênua, pobre e caipira,
mas razão da minha vida!
13
Este relógio é um castigo!
- Vai, de meia em meia hora,
acordando um sonho antigo...
que se nega a ir embora!
14
Mesmo contra a correnteza
- poluída, que envenena -
o Amor à Pátria é a certeza
de que a luta vale a pena.
15
Mesmo quando se fracassa
e a vida é mar de incerteza,
a esperança, embora escassa,
é sempre uma vela acesa!
16
Nada machuca, dói tanto
nem nutre mais a descrença
e o profundo desencanto
do que a extrema indiferença.
17
Não malogre o seu desejo…
Nem pense que é uma vergonha,
pois é nas asas de um beijo
que chega à lua… quem sonha!
18
Nem mesmo em noite de inverno
o luar contém mais brilho
que as luas do olhar materno
rondando o berço de um filho!
19
Nos bons tempos das varandas,
das mangueiras nos quintais
e das alegre cirandas
o mundo sonhava mais!
20
O meu coração é um galo
empoleirado no sino
silencioso e sem badalo
da capela do destino!
21
O meu espírito é um frade
em sua própria capela...
a procura da saudade
que vagueia dentro dela!
22
O patrimônio maior
- saldo da luta… sofrida -
todos sabemos de cor:
É o bom exemplo de vida.
23
O poeta não lamenta
o caminho e a caminhada,
pois é a graça que o sustenta
todo o tempo, em toda a estrada!
24
O que fiz, quando criança,
deu rédeas à mocidade...
Hoje - o coração balança
na gangorra da saudade!
25
Pelas veredas singelas
da Trova e da Poesia,
se difundem as mais belas
lições de Filosofia.
26
Por entre as ramas hirsutas,
em pomares carregados,
o luar espreme frutas
na boca dos namorados!
27
Quando a estiagem persiste
e a terra se faz ardente,
nenhuma nuvem resiste
aos apelos da semente.
28
Quando piso, descuidado...
as trilhas da solidão,
sinto, a cada passo dado,
minha mãe me dando a mão!
29
Quanto mais se estende a mão
e a justiça cresce e avança,
mais brilha, no coração,
a centelha da esperança!
30
Quem não escolhe a semente,
nem cultiva com capricho,
às vezes colhe somente
restolhos e carrapicho.
31
Quem trabalha a ecologia
Com exemplo e amor profundo
Sente o prazer e a alegria
De estar melhorando o mundo.
32
Rio de águas incontidas,
como é vária a tua sorte,
- se tu levas muitas vidas,
carregas também a morte.
33
Sem dúvida, em toda parte,
Naturalmente, não cansa:
Brinca, grita, ri, faz arte…
-criança é sempre criança!
34
Sem responder pelos atos,
à luz da conveniência,
ainda há muitos Pilatos
crucificando a inocência!
35
Se quiseres um luar
prateando o interior,
deixa em ti mesmo piscar
uma centelha de amor.
36
Sob os trapos do luar,
na brisa envolvente e branda,
a saudade vem chorar
pelos cantos da varanda.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

César Torraca


1
A cova do falecido
tinha tranca e cadeado.
Por ciúme desmedido
da viúva do coitado.
2
Cantou muito bem, embora
saísse todo quebrado,
pois cantou uma senhora
que tinha o marido ao lado!
3
Desprezando a minha crença,
quando te vejo passar,
ao sentir tua presença...
ponho pecado no olhar!
4
Distraída, a moça entrou
sozinha no elevador
e ao gabineiro falou:
- Vamos pro quarto, senhor.
5
Diz a vacina, zangada:
- No braço eu não vou gostar;
fico mal acomodada;
é melhor outro lugar!
6
Ela é nova e ele velhinho...
e veio um par de rebentos...
- curioso é que, ao vizinho,
não faltaram cumprimentos...
7
"Lucíola", minha "Senhora",
foi em "Sonhos d'Oiro" a "Diva",
"As Asas de um Anjo" e agora
é a "Expiação" rediviva.
8
Mordomo nada primário,
educado e muito ordeiro,
não abre nenhum armário
sem antes bater primeiro.
9
Na cova da falecida,
ao ver o patrão em pranto,
o viúvo, alma ferida,
viu porque ganhava tanto...
10
No futebol se consola
e ganha a vida suando;
ela também, "dando bola",
vai na vida prosperando…
11
O Anedotário horroroso
que ele repete em torrente,
é do tempo em que o famoso
Mar Morto estava doente!
12
O canário não cantava,
entretanto, o vendedor,
a quem comprou explicava:
"Não canta, é compositor..."
13
O maiô que, por acaso,
veste a jovem modernista,
foi comprado a longo prazo,
porém, deixa tudo à vista!
14
O pai de santo aplicado
quando da terra "partiu",
tinha o corpo tão 'fechado"
que nem o legista abriu...
15
Sendo aventureiro e otário
virou pinguim o Pereira:
sem tempo de entrar no armário,
se escondeu na geladeira.
16
Se o marido chega tarde,
em silêncio, sem tropel,
é a mulher quem faz o alarde,
com seu rolo de pastel!
17
"Seu pulso está muito lento",
diz o doutor, mas confessa
o cliente, bem atento:
- Não faz mal, não tenho pressa!

domingo, 3 de setembro de 2017

Benedito de Góis


1
Ah! Se Deus me desse a graça
de ter-te sempre ao meu lado,
eu não teria a desgraça
de viver tão maltratado…
2
Ave-Maria! Soou
lá na capelinha o sino.
E só a saudade ficou
de um coração peregrino...
3
A vida é como um navio
que, na procela do mar,
vai indo como Deus quer,
até seu porto encontrar.
4
Eu vivo perambulando
noite e dia sem cessar.
A sorte de um vagabundo
que nasceu para penar...
5
Há nos teus olhos ciúmes,
no teu corpo sedução.
No meu peito, uma saudade
nas noites de solidão.
6
Minha mãe, deusa querida,
santa que reza por mim,
és razão da minha vida,
és a flor do meu Jardim!
7
Minha terra tem salinas,
tem rios, tem coqueirais.
Também tem moças bonitas,
para quem mando os meus ais.
8
Na minha vida o caminho
é sempre tão negro e atroz...
Nem sequer tenho um carinho,
dela já não escuto a voz...
9
No meu silêncio tristonho
que teu amor me deixou,
minha vida é quase um sonho
e tudo, tudo arruinou...
10
No pé daquele arvoredo
coloquei o nome dela,
para que morra em segredo
o amor que tenho por ela.
11
Ó lua branca e formosa,
mandai do céu, por favor,
um bom presente, uma rosa,
como oferta ao meu amor...
12
Ó mundo todo maldade,
tu, que me roubas a calma,
dá-me um pouco de bondade
e alívio para minha alma!
13
Ó! Tu que pisas mansinho
e tens um bom coração,
dá-me bastante carinho
e mata minha paixão!
14
Quando eu a vejo sozinha
na escuridão dos meus dias,
sinto a dor que me espezinha
e as esperanças sombrias...
15
Saudade, dor que me invade
o coração facilmente...
Espinho atroz da maldade,
que me destrói lentamente...
16
Se ela por mim sentisse
um sentimento qualquer,
nem que ela apenas fingisse
que foi um dia mulher...
17
Se tu soubesses, morena,
o gosto que o beijo tem,
não me fazias tal cena...
me beijarias também.
18
Só entre escolhos vivido,
não sei mais o que fazer.
Eu já me sinto perdido
quando não posso te ver!
19
Tarde sombria de outono,
Orion já longe vai…
Quisera sempre ter sono
na hora em que o pranto cai.
20
Você, ó fada encantada,
dona do meu coração,
não lembra a vida passada,
berço de negra ilusão...
21
Vou sentindo dentro em mim
um quê de amor e paixão.
Meu viver é tão ruim
que até Deus tem compaixão...

sábado, 2 de setembro de 2017

Antonio Cabral Filho


1
Anos Dourados, Maria,
são nossos gritados ais,
nenhuma fotografia,
sequer nunca nem jamais.
2
Aqueles que seguem sonhos,
não encontram obstáculos,
nem temem sustos medonhos,
pois já previnem seus cálculos.
3
Como turista quis ser:
Viver sem construir laços;
mas eu só sinto prazer
após cair em seus braços.
4
Elis Regina quer casas,
mas a criança quer campo,
pois a pipa lhe dá asas
para os voos que eu encampo.
5
Esqueça das horas mortas,
que o futuro se anuncia,
pois tudo que mais importa
é termos um novo dia.
6
Essa tarde e esse mar,
nossa infância assim sem medo,
nossa rede a nos ninar
fazem qualquer um aedo.
7
Esse céu de puro anil,
o nosso mar e as araras
pintam de azul meu Brasil,
a terra das jóias raras!
8
Felicidade é encanto
que se vive por um triz,
mas celebro, por enquanto,
apenas o que Deus quis.
9
Foi de Maria Fumaça,
a gente ali, lado a lado,
e você esbaldando graça
no meu peito acorrentado.
10
Formiga não acha feio
mostrar seu fardo no templo;
mas quem come o pão alheio
foge dela pelo exemplo.
11
Fugir é partir a esmo,
mas isso eu jamais cometo,
pois aprendi por mim mesmo
que fujão finda no gueto.
12
Imagem e semelhança,
Deus fez todos filhos seus;
será que alguém afiança
qual é a raça de Deus?
13
Já fui João de Maria,
trafegando em corda bamba:
Naveguei na calmaria
embalado pelo samba.
14
Meus horizontes azuis,
cheios de mar, sol e ventos,
só se alegram com seus uis
ao fogo dos sentimentos.
15
Meus passos à beira mar,
vão construindo caminhos,
sob o clarão do luar
entre beijos e carinhos.
16
Nosso céu, sempre tão lindo,
passa dia, cruza Era,
faz o verão que vem vindo
nos cobrir de primavera.
17
O poeta não tem quadrante,
por ser ele universal,
um tremendo viandante,
inclusive virtual.
18
Paixão, doação, entrega,
cada um sabe da sua;
ninguém vê como se apega,
mas vai pro mundo da lua.
19
Quem escreve não se rende,
nem a Brutus nem ao Demo;
pois a pena não se vende
nem atende a Polifemo.
20
Quem quiser ser um artista,
tem que seguir as canções,
passar a vida na pista
para abalar corações.
21
Sempre vivi por aí,
sem as razões nem as fontes,
mas o sol, depois que eu vi,
faz-me cruzar quaisquer pontes.
22
Terra, mãe nas mãos dos filhos,
gesto por demais bonito;
mas se andássemos nos trilhos,
se ouviriam menos grito...
23
Todos cantam sua terra,
como fez Gonçalves Dias;
mas só Cazuza descera
os véus das hipocrisias.
24
Uma vez que o tema é copa,
e tens a bola no pé,
sou do tipo que não topa,
jamais, levar um olé.
25
Um raio de sol me guia
por onde o amor impera,
mostrando-me mais um dia
nos reinos da primavera.
26
Vai sem olhar para trás,
quem acha que sempre acerta,
sem saber que a vida faz
estoque de porta aberta.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Aloisio Bezerra (Massapê/CE, 1925 - ????)

1
Acorda, logo, Alencar,
não faças tanto ruído!
Esqueceste de tomar,
pra dormir, teu comprimido!...
2
Ante insucessos de partos,
da mãe preta há gestos nobres
em ceder seus seios fartos
a órfãos que não são pobres!
3
- Ao andar, sinto cansaço.
Que me aconselha, doutor?
- Nenhum remédio lhe passo,
só tome um táxi, senhor!
4
Ao fone da Previdência
responde o "boy', que é modesto:
- Não mais trabalha, Excelência,
aqui, ninguém por Honesto!...
5
A tragédia em profusão,
vai matando em tom profundo:
- É Deus chamando a atenção
dos pecadores do mundo!
6
Cada vez que és malcriada,
fica branco o meu cocó!
- Mãe, como foste danada:
repara as cãs da vovó!...
7
Carro-de-bois, és toada
cadenciada e sem fim;
enquanto gemes na estrada,
mais geme a saudade em mim!
8
Cem anos de lucidez
fez vovô, e sem canseira,
pois o velho, todo mês,
corre atrás da cozinheira!...
9
Com uma frase, somente,
eu tento a fé descrever:
a fé, resumidamente,
é acreditar sem se ver!
10
Contra a constante injustiça,
que a maldade, às claras, solta,
lanço aos donos da cobiça
o meu clamor de revolta.
11
Depois de preso à corrente
dos seus braços, que ironia!
Ela me deu, finalmente,
um alvará de alforria!
12
Depois de tanto fracasso
que nesta vida sofri,
me transformei em palhaço,
um palhaço que não ri!
13
De que vale ter diamantes,
joia aos montões, ser incréu,
se, em libertinos instantes,
chegar a perder o Céu?
14
Diante da mãe barriguda,
o garoto olha assustado:
- É barriga d'água, Arruda.
- E o nenê morre afogado?...
15
Diz-nos, Deus, basta de guerra,
quando, alegrando aos mortais,
descerá, por sobre a terra,
a pomba branca da paz?
16
Em cada dia primeiro,
pese o seu filho, senhor.
Logo retruca o açougueiro:
- Com ou sem ossos, doutor?
17
Essas constantes matanças,
o roubo e a imoralidade
navegam nas águas mansas
e negras da impunidade!
18
Eu vejo um mundo safado,
sem fé, sem paz, em meu pranto,
só rejeitando, aloucado,
o que é de Deus, o que é santo!
19
Feito o mundo, Deus projeta
de logo um duplo desejo:
deu a saudade ao Poeta
e a tristeza ao sertanejo!
20
Felicidade - eu diria,
através da sutileza,
é uma fração de alegria
entre inteiros de tristeza!
21
Inda veremos nas liças,
outros horrores insanos,
por causa das injustiças
e dos delitos humanos!
22
Meu amor é tão perfeito,
que sempre ao ver-te, menina,
escuto, dentro do peito,
um carrilhão em surdina!...
23
Meu troféu é mais que prata,
mais que o mais fino brilhante;
ele, deveras, retrata
minha trova - o meu diamante!
24
- Meu viver é turbulento,
queixando-se, diz Seu Paiva:
- Neste ano não tive aumento,
é "roxo" o meu, mas... de raiva!
25
Minhas rugas, meus cansaços
e esses cabelos tão brancos
vão responder por meus passos,
entre trancos e barrancos!
26
Nada cobiço, querida,
sou venturoso, porque,
se tenho sorte na vida,
a minha sorte é você!...
27
Neste vale de pecado,
o pendor para o perdão
só pode ser conquistado
sob o poder da oração!
28
Nossos momentos, quem vê,
os vê felizes, querida:
eu descobri com você
o doce encanto da vida!
29
O mundo gira, lascivo,
com todos os vícios seus,
violento, injusto, opressivo,
porque distante de Deus!
30
- O que é bígamo, papai?
Me venha então explicar.
- Um imprudente que vai
por duas vezes errar.
31
O saber, o mais profundo,
a fama e a riqueza até,
não os troco neste mundo
pelo dom da minha fé!
32
Para que reine a harmonia
neste mundo de profanos,
urge que vença a alforria
e os tais direitos humanos.
33
Por ser um cara safado,
conquistador de má fama,
veio a morrer o tarado
de um espirro sob a cama!
34
- Que burrada! Que burrada!
- Já sei! Não vá repetindo!
- Não sou eu, meu camarada,
é o eco que está saindo!...
35
- Tal qual meu pai, ao crescer,
bom dinheiro vou ganhar!
- Tal qual mamãe, podes crer,
vou, tão somente, gastar!
36
Tua beleza era tanta,
tua oração tão ardente,
que em vez de fitar a santa,
eu te fitava somente!
37
Uma casinha singela
e um chameguinho, o melhor,
de um casal a viver nela...
- Para que sorte maior?
38
Um leito fofo e adornado
de cetim, brocado e flor,
de carícias abrasado,
foi palco do nosso amor!...

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...