sexta-feira, 30 de junho de 2017

Alcy Ribeiro (1920 - 2006)

1
A casa ainda é aquela...
ainda é o mesmo portão... 
na sala, a mesma aquarela
junto à mesma solidão!
2
Ao velho diz o brotinho:
"Quero fugir com você”.
Indaga o pobre velhinho:
"Fugir? Mas ... Fugir pra quê?"
3
Bates a porta ao chegar
e essa agressão não me importa.
- Eu prefiro acreditar
que o vento é que bate a porta.
4
Com ciúme, enfurecida,
deu nele tanta pancada,
que a amizade colorida
anda um pouco desbotada...
5
Com uma telefonista
casou-se um pobre coitado.
Agora, por mais que insista,
só dá “ramal ocupado”...
6
Da infância e de seus folguedos,
relembro instantes diletos,
quando sou, entre brinquedos,
brinquedo na mão dos netos!
7
De esperanças luminosas
vê se enfeita a tua mágoa:
- em meio às plagas rochosas
quase sempre há um veio d'água.
8
Deixei restos de carinho
sob insensatos protestos
e agora, triste e sozinho,
ando em busca desses restos ...
9
Depois que me abandonaste,
só te desejo um castigo:
que a insônia que me deixaste,
passe uma noite contigo!
10
Eis-me, de novo, defronte
das malhas de tua rede,
a beber da mesma fonte
que não matou minha sede...
11
Este amor traz-me ventura
num conflito que alucina:
Faz com que eu, mulher madura,
tenha sonhos de menina...
12
Fiz uma trova tão linda
para a flor que ele me deu...
Eu conservo a flor ainda
mas a trova ele esqueceu...
13
Foram risadas de estrondo
quando o pobre Waldemar
quis envelope redondo
para a "Carta Circular"...
14
Janela fechando e abrindo,
batendo a todo momento,
parece estar aplaudindo
a dança infernal do vento!
15
Mais triste que um céu cinzento,
mais cruel que a própria dor,
é aquele amor de momento,
sem mais momentos de amor!
16
Meu coração chora a perda
de momentos sedutores,
por ter sido um zero à esquerda
na soma de teus amores.
17
Muitos, fugindo aos fracassos,
têm, nas ingênuas conquistas,
o destino dos palhaços
imitando trapezistas...
18
Na humildade do meu ninho,
com teu amor que me enleia,
meu jantar de pão e vinho
tem ares de Santa Ceia!
19
Na liberdade pensando,
exulto com alegria,
vendo um pássaro cantando
e uma gaiola vazia.
20
Na minha doce ilusão,
ser uma trova eu queria,
aquela que tua mão
sem tremer assinaria.
21
Não há maior desengano
ferindo nosso saber,
do que ouvir um ser humano
revelar: “Eu não sei ler”.
22
Não há nada que esmoreça
o brasileiro animado:
- tá levando na cabeça
mas, polegar levantado!...
23
Na igreja, menina arteira,
- não é coisa que se enquadre -
mas... quase que vira freira, 
ao saber quem era o padre...
24
Na paixão em que me abraso
tanto sol tem minha estrada,
que eu não troco o meu ocaso
pela mais linda alvorada!
25
Na prece tenho as respostas
da fé que perdura em mim:
tal como a cruz, não tem costas!
Tal como Deus, não tem fim!
26
Nos teus olhos rasos d’água,
sem ser pintor, eu pintei
uma aquarela de mágoa
com as mágoas que te dei.
27
Num capricho alucinado,
em vindoura encarnação,
eu quero ser o pecado,
se tu fores meu perdão!
28
O calor da mocidade
e os riscos da meninice
deixam brasas de saudade
sob as cinzas da velhice.
29
O pecado nos perdeu
e eu paguei logo depois.
Por que o castigo é só meu,
se a culpa foi de nós dois?
30
Os dilemas venceremos
com firmeza em nossos passos:
- remador que perde os remos
faz remos dos próprios braços...
31
Que idade tens? E eu, risonho,
respondo, sem me abalar:
- Eu tenho a idade que o sonho
permite um sonho sonhar!
32
Se acaso, um dia, escutares
na tua porta um lamento,
é o pranto dos meus pesares
gemendo na voz do vento.
33
Se em vez do bem que fizeste,
todo mal me houvesses dado,
- pela filha que me deste,
estarias perdoado!
34
Só hoje, de alma cansada,
sei minhas preces de cor:
é no fim da caminhada
que a gente reza melhor!
35
Só mesmo como piada
"pão dormido" não engorda,
pois na primeira dentada
é claro que o pão acorda!
36
Sou tímida, na verdade,
e você já percebeu .
Porém ... beije-me à vontade
porque a tímida sou eu...
37
Tão carinhosa ela é,
que, num amor desmedido,
chega a fazer cafuné
na peruca do marido.
38
Tua ausência, na verdade,
não traduz nenhum castigo:
vou me abraçando à saudade
até me encontrar contigo.
39
Tu partes com tal freqüência
que, embora em meio às promessas,
persiste um sabor de ausência
toda vez que tu regressas.
40
Vai, coração, vai teimoso,
vai por aí a bater
por um outro, mentiroso,
que finge por ti bater.
41
Vens... não vens... e nessa espera,
o meu pranto vai deixando,
no mal que me desespera,
o bem de estar te esperando!
42
Vi, na magia de um bumbo,
enquanto ele ressoava,
os soldadinhos de chumbo
de um quartel que eu comandava...

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Alberto Fernando Bastos (1921 - )


1
A bela trova, em verdade,
tem aqui berço natal...
Mas o toque de saudade
quem nos deu foi Portugal!...
2
À noite, quando me deito
sem você - por meu castigo -
intrometida em meu leito,
fica a tristeza comigo!
3
A trova eu faço assim - de olho...
E a seguir por essa trilha,
nos cascalhos que eu recolho,
sempre alguma coisa brilha!...
4
Como troféus de vitórias,
minhas rugas, comovidas,
contam todas as histórias
de mil batalhas vencidas!
5
Com presteza indescritível,
confundindo o ser incréu,
da prece o barco invisível
nos leva ao porto do céu.
6
Da chama, outrora incontida,
de minha vã mocidade,
a brasa dorme escondida
sob a cinza da saudade…
7
Da paz deixei a procura...
Não a busco mais, enfim.
Por que sofrer a tortura
se ela está dentro de mim?!...
8
Do frio que me castiga,
neste inverno que perdura,
só me livra, aquece e abriga,
teu cobertor de ternura!...
9
É na renúncia que a gente
salva, mesmo em retirada,
de uma derrota iminente
o tudo de um quase nada!
10
És feliz? Não digas nada.
Goza em silêncio o teu bem,
que há muita gente empenhada
em não ver feliz ninguém!...
11
Há em nossa alma cansada,
mesmo sendo a vida atroz,
criança eterna e levada
que brinca dentro de nós...
12
Mandei-te embora e, ao fitar-te,
em ti não vi qualquer queixa.
Hoje, o amor, em outra parte,
essa tristeza não deixa!...
13
Mesmo sem querer ouvir,
vou guardando, contrafeito,
as ofensas que ao dormir
vou ruminar no meu leito…
14
Na noite em que perco o sono,
pensando coisas a esmo,
sinto o pavor do abandono
por ter medo de mim mesmo...
15
Não consintas, Pai amado,
seja de novo esta Terra
cenário triste e assolado
pelo fantasma da guerra!…
16
Nem mesmo a morte retrata
o horror que a desonra traz:
– Se uma espada fere e mata,
bem pior a língua faz...
17
Neste mundo, onde os problemas,
são reticências impostas,
o trovador busca os lemas
e as rimas trazem respostas...
18
Num contra-senso, é verdade,
- pois vazio é sem valor -
o vazio da saudade
encheu minha alma de dor!...
19
Por certo fico à deriva
no mar da vida - agitado -
se uma ideia negativa
no barco, pesa ao meu lado...
20
Quem nunca se desespera,
nem pedras atira a esmo,
vivendo em busca sincera
encontra a paz em si mesmo.
21
Quis ser famoso e, na vida,
apanhei... levei pancada...
Hoje, ao fim de muita lida,
me conformei: – Não sou nada!
22
Se o nosso céu se escurece,
a própria dor nos conduz
à busca humilde da prece,
que inunda a vida de luz!
23
Trovador, de alma empenhada
em luta, em choques medonhos,
faz da Trova a tua espada
e busca salvar teus sonhos!...
24
Um pensamento retive,
dentre muitos a escolher:
– Quem para servir não vive.
não serve para viver!…
25
Uma sombra - uma inquietude -
lembra-me, agora infeliz,
o bem-fazer que não pude
e o bem que pude e não fiz.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Adélia Victória Ferreira


1
A fantasia é um brinquedo
para instantes enfadonhos:
nos porões - varrendo o medo,
na torre - embalando os sonhos...
2
Ao sofrer uma agressão
a terra não choraminga
nem esboça reação,
mas... cedo ou tarde, se vinga…
3
Circo de lona... de estacas,
pobre, no mundo a vagar...
E nessas bases tão fracas
o riso escolheu morar...
4
Com a lembrança marcada
por sofrimentos de outrora,
igual à pomba assustada
eu fujo aos sonhos de agora.
5
Esperança é a caminhante
que, ora animada, ora triste,
vai, teimosa, mais adiante,
quando a Certeza desiste. 
6
Lago imóvel, preguiçoso,
que se espera repousante,
o sempre é um sonho enganoso
que só na perda é constante.
7
Meu olhar é um girassol,
avidamente a buscar
entre a aurora e o arrebol
o astro-rei do teu olhar!
8
Minha vizinha é tão feia
que, aparecendo à janela,
o furacão a rodeia
com medo de tocar nela! 
9
Na pinga e de pito aceso,
pega a bela, o Serafim,
que no outro dia vai preso
nos braços de... um manequim,..
10
Na sala, a rica exibida
mostra o vaso e a amiga exclama:
- Mas... esse vaso, querida,
se usava... embaixo da cama!…
11
No amor não raro acontece
estranha feitiçaria:
quando a vontade aparece
desaparece a energia…
12
No entrechocar das espadas,
que a ambição maneja a fundo,
como esperar alvoradas,
se a luz é expulsa do mundo?...
13
No mistério de seus planos
vai, o futuro inclemente,
burilando os desenganos
que irá nos dar de presente!
14
0 grande, na trajetória
que palmilha passo a passo,
recebe em silêncio a glória
como recebe o fracasso. 
15
O pato, à pata, zangado:
- Qualquer um pode notá-lo!
Aumentas teu rebolado
quando passas pelo galo!
16
O Sábio avança e recua
sobre um mistério esquisito,
onde um termo continua
termo sem termo... Infinito!…
17
O sol, filetando o olhar,
pelo arvoredo introduz
agulhas para bordar
bailados de sombra e luz.
18
Para a saudade que anela
voltar à ventura morta,
o passado abre a janela,
mas nunca destranca a porta...
19
Pelos gênios fascinado,
me indago, com inquietude,
se a inveja será pecado;
se o que se inveja é... virtude..
20
Por nosso irmão não se conta
quem apenas nos exalta
e, sim, quem também aponta,
censurando a nossa falta.
21
“Pra que rouge?” – indaga a Tita,
à mãe vaidosa que o aplica.
“Pra que eu fique mais bonita!”
E a filha: “Por que não fica?...” 
22
Quando, mãe, o tempo ingrato
em bruma a lembrança envolve,
bendigo o velho retrato
que teu rosto me devolve!
23
Quem só conhece negrume
por onde os passos conduz,
no piscar de um vagalume
pode aprender o que é luz.
24
- Raio de bicho malandro! -
o astronauta geme e sua
e a pulga, em seu escafandro,
vai de carona pra lua…
25
Recorre ao bom-senso e ordena
teu viver, pelo vivido.
O que o passado condena
não deve ser repetido.
26
Se era às crianças que um vulto
no escuro punha assustadas,
hoje o temor é do adulto
que anda à noite nas calçadas…
27
Sem o amor, que é fantasia,
a vida, que é realidade,
transporta mala vazia
no rumo da eternidade.
28
Se os meus juízes confundo
com falsa argumentação,
recebo o perdão do mundo,
mas não meu próprio perdão.
29
- Se te vais, por gentileza,
deixa a porta sem trancar!
Não me roubes a certeza
de que logo irás voltar!
30
Silencioso, palmo a palmo,
irreversível, tirano,
o tempo devora, calmo,
todo e qualquer sonho humano... 
31
Sol e sombra na floresta
e uma brisa, erguendo a mão,
rege os compassos da festa
de sombra e luz, pelo chão.
32
Torna um sonho em realidade
e verás, com ironia,
que, por mais que ele te agrade,
foi mais bela a fantasia.
33
Vivo a sonhar: Quem me dera
que eu, no amor sempre frustrado,
em vez de ficar à espera,
um dia fosse o esperado.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Judith Cocarelli

1
A conduzir o ceguinho
andava tranquilamente.
Ignora, o rapazinho
quanto vale, como é gente!
2
A gíria já é um fato
que nós temos que aceitar:
o bonito é um barato
e curtir, apreciar…
3
Ainda tenho esperança
se torne realidade
ver nosso mundo-criança
atingir maioridade.
4
A programação assumo
da vida que desejei,
hoje arrumo e desarrumo
este rumo que tomei.
5
Capricórnio, em que nasci,
deu-me esta teimosia:
Não creio em mal que não vi,
creio no bem, todavia.
6
Com fervor bem verdadeiro
eu rogo hoje ao Senhor
que o meu povo, o brasileiro,
ensine ao mundo o amor!
7
Com “meu” caracol brincava,
num mundo de fantasia;
quantas vezes invejava
a concha em que se escondia!
8
Como o poeta julguei
poder estrelas contar
mas, sem querer, misturei
com elas o teu olhar…
9
Como último carinho,
quisera sentir na face
o calor de um raiozinho
de sol, que assim, me afagasse…
10
Corremos, com esperança,
atrás da felicidade.
No final da nossa andança,
restam cansaço e saudade…
11
Cultivo uma aspiração
neste caro mundo meu:
Que ao parar meu coração
eu fiquei a ouvir o teu…
12
Deixe embora, em minha andança
de ver, ouvir, caminhar,
se me restar a esperança
continuarei a sonhar!
13
Dispensando-lhe carinho
damos-lhe alguma esperança:
lembremo-nos que o velhinho
já foi, um dia, criança…
14
Disseram-me que “a esperança
é a última a morrer”.
Às vezes, em nossa andança,
ela nem chega a nascer!
15
Durante o mês de dezembro,
quando o Natal se aproxima,
todos os dias relembro
o meu tempo de menina…
16
Ela não é tua filha
mas dá-lhe alguma atenção;
a criança maltrapilha
é filha de teu irmão!
17
Gostaria que a esperança
retornasse à minha vida
para ser, como em criança,
na boneca prometida…
18
Muita gente, nesta vida,
desejaria voltar
ao seu ponto de partida
e novo rumo tomar…
19
Nós não temos, na cidade,
luar como o do sertão,
mas dá-nos felicidade
a pequenina fração…
20
Numa oração muito minha
eu peço, a todo momento,
poupe Deus minha mãezinha
de ter qualquer sofrimento.
21
O luar, meu aliado,
o quarto dele invadiu
levando-lhe meu recado…
Mas dormia, nem sentiu!
22
O sol se esvai, no horizonte,
oferecendo ao olhar
uma inesgotável fonte
para o nosso versejar.
23
Passei minha vida inteira
num rumo só, trabalhar.
Parece que foi asneira,
porque eu gosto é de rimar!
24
Peço a Deus, com esperança,
num fervoroso rogado,
note-se em toda criança
um sorriso ensolarado!
25
Pedimos com devoção,
tudo que nos dá prazer
e esquecemos, na oração,
de, no entanto, agradecer!
26
Pelo sol vivo ansiando!
Quando chove ou anoitece
quisera estar habitando
o país em que aparece.
27
Pleno dia, plena estrada,
quero o sol apreciar
mas à noite, extasiada,
que não me falte o luar!
28
Por quem não tem agasalho
por quem num leito padece…
Acredito que mais valho
se os incluo em minha prece.
29
Preces feitas, decoradas,
repetidas todo tempo
não valem as inventadas
na hora do sofrimento.
30
Procurando no Universo
algo como o teu olhar
para rimar o meu verso,
eu encontrei o luar!
31
“Quem espera sempre alcança”.
Crê no provérbio com fé
e aguarda, na tua andança,
sapato para o teu pé…
32
Queremos todos: Você,
ele, o judeu, o batista
ter razão. Como se vê,
questão de ponto de vista…
33
Quero estrelas, o luar,
o sol, as flores, o vento,
as águas verdes do mar
que são meu deslumbramento!
34
Recebeste a tua herança
porém, não cruzes os braços;
é bom que da tua andança
possa deixar alguns traços.
35
Se percebes que essa estrada
causou-te decepção,
faz uma pausa e, calada,
ruma em outra direção.
36
Se quisermos um limão
bravo, galego ou de cheiro,
há que escolher, de antemão,
o tipo de limoeiro…
37
Se tu queres te inspirar
em algo muito pungente,
procura mentalizar
uma criança doente.
38
Vou te ensinar, com carinho,
lição que já sei de cor:
Quase em silêncio, baixinho,
é que se ama melhor.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Elisabeth Souza Cruz

1
A coisa é séria, querido,
tem mulher que é mulher macho…
quando manda no marido
faz dele gato e capacho!
2
A minha ideia não míngua,
e eu lhe mando “plantar fava”,
pois compondo um trava língua,
minha própria língua trava!
3
A minha luz se consagre
nos momentos de tristeza…
Não peço a Deus um milagre…
peço apenas… fortaleza!
4
Bebo lembranças em tragos,
ao ponto da embriaguez,
para curar os estragos
que a tua ausência me fez!
5
Bobeira?!… Maior bobeira
é o salário do operário
que trabalha a vida inteira
e não fica milionário!
6
Brilhantes?!! – Pois sem trabalho,
sem ramo profissional,
a moça arranjou um galho
no “distrito” e… é federal!!
7
Brotinho assanhado inventa
mil jogadas para o amor
e o velhinho até que tenta,
mas sai sempre perdedor!!!
8
Buzinando o caminhão,
surpresa boa é a do otário
que dá tempo ao Ricardão
para se esconder no armário!
9
Cabelo é um negócio louco...
Há divergências fatais:
- Na cabeça, um fio é pouco;
mas... na sopa... ele é demais!!!
10
Com duplo sentido, a “dança”
é palavra que marcou:
– nem sempre quem dança, cansa…
mas quem se cansa… dançou!
11
Declarar-me não me atrevo,
com palavras mais ousadas...
E assim os versos que escrevo
são propostas camufladas!... 
12
Deixo a roça na estação,
trouxe os sonhos na bagagem,
mas a cidade é a impressão
de que eu perdi a viagem!
13
Do nosso amor resta o embate
neste deserto onde eu morro,
pois teu regresso é o resgate 
que não chega em meu socorro!
14
Do teu queijo eu tiro um naco
pois a minha ideia logra…
mudo de pau pra cavaco,
que tal falarmos de… sogra?
15
Em nosso amor conflitante
as dimensões são iguais:
- tanto faz, longe ou distante,
é sempre longe demais!
16
E por falar em cantada
quem canta seu mal espanta?
Eu sou tão desafinada
que nem galo se levanta!!!
17
Essa renúncia inimiga
que diz não, se eu quero sim,
é uma voz fazendo intriga
quando responde por mim!
18
É surpresa repetida,
surpresa mesmo... e bendigo
cada instante em minha vida
me repetindo contigo!
19
É tão forte a intensidade
das loucuras da paixão,
que no amor a insanidade
é o que eu chamo de razão.
20
Eu falo e tenho respaldo,
pois em canja de galinha,
para aumentar mais o caldo,
pegue a sopa da vizinha!.
21
Eu não me prendo à verdade
e à razão sempre me imponho,
porque toda a realidade
antes de tudo foi sonho! 
22
Eu não temo o breu da estrada
se a tristeza não transponho,
porque há sempre uma alvorada
na alegria do meu sonho!
23
Eu sou guerreira e não nego
meu instinto lutador,
mas renuncio e me entrego
se a luta for por amor!
24
Eu também tô quase nessa
e em loja de raridade,
se eu entro, saio depressa
pois pareço antiguidade!
25
É verdade! Uma mamata
morar longe de patrão…
só não se pode é na mata
ficar na moita…. sem cão.
26
Falando em exploração,
nunca vi maior babado…
a mulher do capitão,
como explora o rebolado!!!
27
Falando num bom petisco,
quem não se arrisca, não prova,
como é bom correr o risco
de preparar uma trova!!!
28
Feito internauta voraz,
tu clicas minha paixão,
e eu não sou sequer capaz
de deletar a intenção!
29
Lá na praça do Suspiro,
o vovô, todo em genérico:
-Eu tento, assanho e transpiro,
mas quem sobe é o Teleférico!
30
Minha saudade é um desvio
que a solidão me propõe
para fugir do vazio
que a tua ausência me impõe!
31
Na angústia que me consome
neste amor de insanidade,
a minha pressa tem nome
e ela se chama…saudade!
32
Não me assusta o breu da estrada
se a tristeza não transponho,
porque há sempre uma alvorada
na alegria do meu sonho.
33
Não quero fama nem glória,
dispenso os bens de valor,
para ter na minha história
o prêmio do teu amor!
34
Não tenho arrependimento
nesta paixão reprimida...
foste a ilusão de um momento
que valeu por toda a vida!
35
Nem mesmo a ilusão remenda,
com seus fios de saudade,
os velhos sonhos de renda
que eu teci na mocidade!
36
Nem o nosso amor desfeito
vai me tirar a alegria...
Tenho as lembranças no peito
e refaço a fantasia!
37
No desfile à fantasia,
de um carnaval de ilusão,
a saudade é a alegoria
que enfeita meu coração!
38
Nosso amor chegou no estágio
de pouca briga e... eu pressinto
que esse marasmo é presságio
de amor... que está quase extinto!
39
Numa troca de “mulé”,
o “mané” ficou na mão,
que a moça que dava “pé”
tinha um baita sapatão!
40
Num recanto bem singelo,
sem luxo ou bens de valor,
meu rancho vira um castelo
quando reina o teu amor!
41
Nunca vi maior tolice
futricar a vida alheia,
pois quem faz disse-me-disse
vai cair na própria teia!
42
O hífen de vice-prefeito,
por certo, não caiu, não,
pois logo depois do pleito
sempre dá separação!
43
O homem de argola, também,
ao machismo não se furta:
– faz da mulher seu refém
e a mantém na rédea curta!
44
O meu vizinho se poupa
já que o cansaço é normal…
Quando fala: “Tira a roupa!”,
tira a roupa do varal!
45
Orgulho bobo... vaidade,
capricho do amor sobejo...
Eu morrendo de saudade,
fingir que não te desejo!
46
O trânsito interrompido,
muitas frutas pelo chão…
E o bebum, ao ser punido:
-“Foi batida de limão!”
47
Panela que não apita
é porque não dá pressão
e mulher quando se agita
tem fogo no caldeirão!
48
Pode quem quiser falar
pois ninguém sabe o que diz,
tendo a mulher para amar
o homem ficou foi… feliz!
49
Por falar em confissão,
confessa a moça (e reclama):
- Tão pesado é o meu patrão
que quebrou a minha cama!
50
Por mais que eu seja refém
da pressa do teu abraço,
meu sonho não vai além
da pequenez do meu passo!
51
Pouco importa que tu venhas
apressado, em teu fulgor,
pois trazes contigo as senhas
para os feitiços do amor!
52
Pula o muro o Ricardão,
fura a calça na passagem...
E o furo, na confusão,
foi furo de reportagem!
53
Qualquer que seja o motivo
que a razão nos tente impor,
não se passa o corretivo
quando um erro é por amor!
54
Quando o orgulho é o timoneiro
das viagens da paixão,
qualquer que seja o roteiro,
não encontra a direção!
55
Quando tem panela cheia
no fogão da cozinheira
sempre acaba em briga feia
que o patrão quer dar “rasteira” !!
56
Querido.. eu não faço intriga,
mas veja a situação:
na moita, anda dando briga,
por dinheiro em cuecão!!
57
Recuso o amor, mas por mim,
do fundo do coração,
diria mil vezes sim
sem dar ouvido à razão!
58
Saudade, velho retrós,
guarda os fios, dia a dia…
Quando quer soltar a voz,
desenrola a nostalgia!
59
Sei também de um desespero,
pois o genro, de mutreta,
pôs pimenta no tempero
e a sogra ficou zureta!
60
Se não pode ser de verdade
esse amor mais que tardio,
que seja felicidade
na ilusão de um desvario!
61
Sendo a voz de toda gente,
a Imprensa firme não cala
e quanto mais coerente
bem mais forte é a sua fala! 
62
Se o teu amor foi miragem
no deserto da paixão,
que importa... me deu passagem
para o oásis da ilusão.
63
“Sopre a velinha , sem dó!”
e, na festinha animada,
sopraram tanto a vovó
que ela ficou resfriada!
64
Tu me propões cessar fogo
e eu te proponho atiçar,
porque o nosso amor é um jogo
que é fogo de se apagar!
65
Vivo em constante conflito
entre o delírio e a razão:
- Meu sonho alcança o infinito,
meus pés... tropeçam no chão!

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...