segunda-feira, 22 de maio de 2017

Jose Tavares de Lima


1
A beleza que estonteia
não é tudo, mas eu digo:
- cafuné de mulher feia
não é carinho… é castigo!
2
A “feia” caça um marido.
Porém ao vê-Ia, há quem diga
que só um doido varrido
pode topar essa briga!…
3
Amar-te em segredo aceito,
mas tens que entender meu ais,
porque te amar deste jeito
é doloroso demais!…
4
A quem, lutando, persegue
um sonho que não alcança,
suplico a Deus que não negue
o consolo da esperança!
5
Confesso que, fascinado
por tua graça invulgar,
se te amar foi um pecado,
não sei viver sem pecar!
6
Da mulher muito carente
seu Brochado anda arredio:
no verão, porque está quente
no inverno porque está frio!
7
Depois que te foste embora,
eu vejo, ante o amor desfeito,
que o sol resplende lá fora…
Mas há neblina em meu peito!
8
“Deu trambique sim senhor!
Não negue que estou sabendo…”
– Responde o Salim: “Doutor,
eu nunca dei nada… Eu vendo!”
9
Diz, louquinha pra casar,
a viúva, num gemido:
só eu sei como é ficar
dez anos sem ter marido!…
10
Dói-me não estar contigo
e ter que abafar meus ais;
mas, deste amor que eu não digo,
guardar segredo dói mais!
11
Dói-me tanto a ausência tua
que, imerso na angústia imensa,
se a noite é linda ou sem lua,
nem percebo a diferença!…
12
Em cascatas de poesias
eu transformo, comovido,
o rio de águas sombrias
que a minha vida tem sido…
13
Esquece a luta perdida
porque, mais que insensatez,
lembrar fracassos na vida 
é fracassar outra vez!
14
Esquece o triste passado
que te deixa descontente…
Se o teu “ontem” foi nublado,
põe um sol no teu “presente”! 
15
Esquecer-te? De que jeito?!…
Teu receio é sem motivo,
porque, dentro do meu peito,
tens lugar definitivo!
16
Fazer prece a todo instante
tão importante não é;
para Deus, mais importante
é o suplicante ter fé…
17
Foi o amor que nos unia
tido como insensatez…
Mesmo assim, como eu queria
ser insensato outra vez!
18
Gemendo, diz: meu marido
só me chama de canhão!…
E ao vê-la, alguém, distraído:
seu marido tem razão!
19
Lamenta-se o caloteiro:
- O meu ganho anda precário…
- Está faltando dinheiro?
- Não! Está faltando otário!
20
Mas o que faz esse “artista”?
- Pensa em calo o dia inteiro.
- Quer dizer que ele é calista?
- Negativo… é caloteiro!
21
Mente quem diz que não fez
durante a vida, algum dia,
a gostosa insensatez
de amar a quem não devia…
22
Meu coração que sofria,
finalmente hoje se solta
das amarras da agonia
feliz com a tua volta!
23
Muitos sonhos de venturas
são cascatas de ilusão:
encantam, lá das alturas,
mas se desfazem, no chão…
24
Muito te amo. Podes crer.
Mas tenho um receio louco
de que, para te prender,
todo este amor seja pouco!
25
Na dor, não lamente a sina…
Quem no peito a fé conduz,
por entre a densa neblina
descobre raios de luz !
26
Não fales com toda gente
dos teus tormentos e anseios…
Pois há quem fique contente
ouvindo os dramas alheios!
27
Não foi musa de um momento…
Desde que a vi, deslumbrado,
alugou meu pensamento
por tempo indeterminado!
28
Não merece glória tanta
quem só vence… O mais valente
é quem perde e se levanta
para lutar novamente.
29
Não queiras, na desavença,
ofender quem te ofendeu,
pois quem revida uma ofensa
merece a que recebeu!
30
Não sei bem por que partiste;
mas para o gesto insensato
eu sei que o remédio existe:
teu regresso imediato!…
31
Não tem marido, contudo,
vai, de topada em topada,
a Maria topa-tudo,
aumentando a filharada!
32
No momento em que partiste,
a lua, no céu, sozinha,
me pareceu muito triste…
mas a tristeza era minha!
33
Nosso motel não tem cama,
mas tem rede … Vão topar?
E o jovem casal exclama:
- Nós não viemos pescar…
34
No sufoco que o atormenta
geme o velhinho, intranqüilo:
a mulher com mais de oitenta
voltou a pensar naquilo!…
35
Numa imagem que revela
contrastes da vida ingrata,
a lua cobre a favela
com lindo lençol de prata!
36
Nunca dizia: “não pago”.
Mas em calote doutor,
simulava que era gago
até cansar o credor!
37
Ofensa dói, reconheço;
mas a tua indiferença
ao amor que eu te ofereço…
Dói muito mais que uma ofensa!
38
O inverno que acinza os dias,
insiste em mostrar, sem dó,
que em noites longas e frias
sofre mais quem vive só!…
39
O receio evidencia,
às vezes, sábia conduta;
mas disfarça a covardia
de alguns que fogem da luta!
40
O sujeito caloteiro
diz ao cobrador que insiste:
- hoje eu não tenho dinheiro,
mas volte… Milagre existe!…
41
Para ver-te, de tão louco
nem meço a distância imensa…
A viagem cansa um pouco,
mas o prêmio, recompensa!
42
Partes, alheia aos meus ais,
mas te suplico, sincero:
mesmo que não venhas mais,
fala que vens… que eu te espero!
43
Partir grilhões eu não quis …
Com teu amor, todavia,
sou um escravo feliz
que não reclama alforria! …
44
Passa linda… do alto, a lua
surpresa ao ver tanta graça,
ilumina mais a rua
no momento em que ela passa !
45
Pode ventar ou chover…
eu, nos teus braços agora,
nem perco tempo em saber
se tem inverno lá fora!
46
Por amor eu sou capaz
de fazer insensatez,
daquelas que a gente faz
sem lamentar por que fez…
47
Por culpa de alguns receios
e de tolos preconceitos,
somos, hoje, dois anseios
que não foram satisfeitos…
48
Porque te dei muito amor
fiquei só… Pois não sabia
que vai perdendo o valor,
o que é dado em demasia!…
49
Quando a Graça na lambada
requebra seu corpo jovem,
a turma fica assanhada,
vendo as “graças” que se movem.
50
Quando me abraças e dizes:
-Vivo do amor que te dou…
O mais feliz dos felizes
não é feliz como eu sou!
51
Que eu devo partir, urgente,
ela entende, e não replica…
mas, em súplica silente,
seus olhos me dizem: fica!
52
Quem por ser pobre reclama,
precisa entender, também,
que a flor nascida na lama
não perde a essência que tem…
53
Que não me queres, sei bem…
Suplico a Deus, mesmo assim,
que transforme o teu desdém
num pouco de amor por mim…
54
Sangue azul não tenho, sei;
de um plebeu sei que não passo,
mas sou feliz como um rei
no momento em que te abraço!
55
Se em meu rumo há névoa e abrolhos,
nem assim me intranqüilizo:
tenho as luas dos teus olhos;
tenho o sol do teu sorriso!
56
Se em meus poemas dispersos
falo sempre de fracassos,
é que a musa dos meus versos
vive ausente dos meus braços!
57
Se o amor que te dou te espanta
de tão grande, eis o motivo:
és a seiva; sou a planta;
se me faltares… não vivo!
58
Só peço a Deus uma graça:
que nunca uma despedida
destrua este nó que enlaça
minha vida à tua vida!
59
Sozinho, não desespero,
pois no verso encontro alento…
Não tenho a musa que eu quero,
mas tenho a musa que invento!
60
Tarda a chuva; e, por Deus chama
o nordestino apreensivo,
vendo a seca armar seu drama
com cenas de fome ao vivo!
61
Topa um “programa” vovô?
E o velhinho, triste, fala:
- agora, borocoxô,
só topo o pé na bengala!
62
Uma topada incomum
a minha vizinha deu.
Não feriu dedo nenhum
mas a barriga… cresceu!
63
Veja o golpe do Clemente:
- diz que foi uma topada
que o fez cair, justamente,
lá na cama da empregada!
64
Vence o receio e confia
nos teus sonhos; pois, em suma,
sem um pouco de ousadia
não se alcança coisa alguma!
65
Viva a vida; mas, cuidado!
Precavido, não se esqueça
de construir seu telhado
antes que a chuva aconteça!..

domingo, 21 de maio de 2017

Ercy Maria Marques de Faria


1
A apatia que hoje vês
neste semblante cansado,
é vestígio dos “porquês”
sem respostas do passado!!!
2
Agora o peso da idade
me obriga a encurtar meus passos
e acelera os da saudade
para acolher-me em seus braços...
3
A insônia que vai além
das horas da madrugada,
por teimosia mantém
minha saudade acordada...
4
Amo tanto esse meu povo
e essa terra onde nasci,
que, se acaso eu nascer de novo,
peço a Deus que seja aqui
5
A onda toda vez quando
na praia vem deslizar,
parece o pranto rolando
dos olhos tristes do mar…
6
Apesar desta certeza
de que somos tão iguais,
alma gêmea, que tristeza,
chegaste tarde demais!...
7
Aplausos a quem merece!…
Um brinde à velha esperança
que no peito permanece
mesmo enquanto a idade avança!
8
A saudade vem e liga
o velho rádio do peito
e ao som de uma valsa antiga
chora o meu sonho desfeito...
9
As dúvidas elimina
e repara os erros seus,
quem crê na ajuda Divina
e ouve o conselho de Deus!
10
A varanda, hoje
de algazarra das crianças,
se transforma, dia a dia,
num castelo de lembranças!...
11
Barrei a tua saída
após ouvir-te afirmar
que entraste na minha vida
na certeza de ficar!
12
Bendito é aquele que crê
e com fé, sempre maior,
dobra os joelhos e vê
adiante um mundo melhor!!!
13
Bilhetes... esta quadrinha...
te escrevi, andando ao léu...
- Como enviar-te, mãezinha?
Não há Correios no Céu!...
14
Busquei tanto a liberdade
e ao transpor milhões de abrolhos,
encerrei minha ansiedade
na prisão desses teus olhos
15
Cada manhã que desponta
encantando a mocidade,
por certo é mais uma conta
no rosário da saudade…
16
Cigano, da tua andança
por esse mundo sem fim,
traz-me um pouco da esperança
que a sorte roubou de mim…
17
Com muito humor, o gabola
insiste numa cantada,
mas hoje tanto se enrola,
que apenas canta... e mais nada!!!
18
Da varanda eu olho a rua
que eu dizia que era “minha”...
E a saudade continua
a brincar de “amarelinha”…
19
Desta emoção incontida
não faço nenhum alarde...
E culpo demais a vida,
por te encontrar muito tarde.
20
Diria a bruxa atual:
- Espelho, vê se não manca
e me responda, afinal,
quem tem a pior carranca?
21
Dizendo "adeus", foste embora,
levando em tua bagagem
meu coração, que até agora
não regressou da viagem!
22
Diz o caipira ao chegar
“de fogo”, à mulher que o xinga:
-“Houve engano lá no bar...
eu disse “Mé”... deram “pinga”!!!
23
Dois olhares se cruzaram...
Duas almas se entenderam...
Mas, em silêncio ocultaram
o sonho que não viveram...
24
Dosando amor e energia
ele cumpriu seu destino;
Oh meu pai! como eu queria
ser novamente um menino!
25
Em ligeiras pinceladas
eis um retrato da vida:
– Às vezes, certas chegadas
têm sabor de despedida…
26
É na sua deficiência,
que o cego, na escuridão,
acende a luz da paciência
no altar do seu coração…
27
É nos instantes de dor,
ante o Teu porte sereno,
que um homem "Grande", Senhor,
se torna um homem "pequeno"!...
28
Essa lágrima sentida
que nos teus olhos aflora,
é uma prova enternecida
de que um homem também chora!
29
Esse teu jeito tão mudo...
esse modo de encarar...
A gente, às vezes, diz tudo
na carícia de um olhar!
30
Eu e você .. que tristeza!
Duas perdidas metades...
Dois corações com certeza,
chorando as mesmas saudades!…
31
Lembrança.. retorno ousado
que se faz às escondidas,
pelos porões do passado,
buscando ilusões perdidas!
32
Lembrando o que tu dizias
do amor que tinhas por mim,
eu vi, enquanto partias,
quanto o infinito... tem fim!
33
Minhas velhas esperanças...
Os sonhos da mocidade...
Que imensidão de lembranças
no meu baú de saudade…
34
Na conquista deste amor
me empenhei... não fui covarde!...
E só não fui vencedor
porque cheguei muito tarde!
35
Na Medicina e Poesia
foste um Mestre!!! As nossas palmas
pelo trato, a cada dia,
do ser humano... e das almas!!!
(Homenagem a Miguel Russowsky)
36
Não há luxo... desde a porta...
o amor lá dentro é tão belo!...
Nele sou rei... pouco importa...
O meu lar... é o meu castelo!!!
37
Não te desvies da estrada,
buscando atalhos bisonhos.
A vida não vale nada,
se sufocares teus sonhos…
38
Na pressa descontrolada
da multidão,há, contudo,
rostos que não dizem nada...
e rostos que dizem tudo!!!
39
Nesta troca de homenagem
com outro País amigo,
meu Samba segue viagem
e o Tango...fica comigo!!!
40
No jogo da vida é assim:
tem encrenca e desacato,
e, quando ele chega ao fim,
a mãe de alguém paga o pato…
41
Ó estrela-do-mar, faz presa,
e sepulta em mar profundo,
por favor, toda tristeza
e desamor que há no mundo!...
42
Olho a tapera habitada
e em minha fé me concentro:
– Feita de restos de “nada”!...
e quanta paz tem por dentro!!!
43
O meu coração se agita,
Toda a alegria extravasa,
quando ao chegar, o amor grita,
querendo entrar:-“Ó de casa???”
44
O meu mundo é mais bonito!
Tem dois sóis com muito brilho:
– Um, no seio do infinito…
– Outro, em meu seio: Meu filho!…
45
O mundo será melhor
e atingirá rumos novos,
quando se fizer maior
o entendimento entre os povos…
46
Por ser "soft" e "pra frente",
o Carneiro, aborrecido,
por um nome diferente
ficou muito conhecido!…
47
Por teu feitiço ou magia,
mesmo sabendo quem és,
troquei a minha alforria
e fui escravo a teus pés…
48
Qualquer onda eu desafio,
sou surfista destemida
neste imenso mar bravio
que nós chamamos de Vida!
49
Quando a ilusão o convida,
não apresse a caminhada...
certos atalhos na vida
não nos conduzem a nada…
50
Quando a luz se faz escassa,
não renego os sonhos meus;
abraço a treva que passa
e pego na mão de Deus…
51
Quase um dilúvio parece,
a forte chuva lá fora,
unida ao pranto que desce
nesta saudade que chora!
52
Que as chaves da educação
possam abrir com sucesso,
as portas desta nação
para a cultura e o progresso!
53
Que o dom da Sabedoria,
dádiva do Criador,
seja usado a cada dia,
cobrindo o Mundo de amor!
54
Quis vingar “olho por olho”
e também “dente por dente”...
Mas como, se era caolho
e a sogra só tinha um dente?!
55
Renúncia – uma ponte estreita,
onde, das extremidades,
pode-se ouvir, sempre à espreita,
chorando duas saudades!...
56
Saudade é um velho barquinho
que vence o tempo e a distância
e recolhe, no caminho,
os pedacinhos da infância …
57
Se é mentira ou se é verdade,
pouco importa, não reclamo…
A maior felicidade
é ouvir-te dizer: – “Eu te amo!”
58
Seja ao índio assegurado,
como bem manda a razão,
o seu direito sagrado
por um pedaço de chão!
59
Sempre que a lágrima desce
e insiste em molhar-me a face,
eu uso o lenço da prece...
E é como se eu não chorasse…
60
Toda união é perfeita,
se, congregando emoções,
além das mãos que ela estreita,
une também corações...
61
Uma flor descolorida...
Um bilhete amarelado...
São capítulos da vida
nos registros do passado...
62
Velha ponte do caminho
nossa história é parecida:
- Suportamos de mansinho
tantas pisadas na vida!!!
63
Velho mar, o seu bailado
das ondas nos vem provar,
que nada existe de errado
às vezes em recuar…

sábado, 20 de maio de 2017

Élen Novais Felix (1946 - 2015)


1
A bengala da ousadia
que um cego leva na mão,
é a luz que Deus irradia
em seus olhos sem visão.
2
A ganância desmedida
leva ao fracasso que dói...
Feliz quem sabe que a vida
é um prêmio que se constrói.
3
Amizade…A segurança
que invade o meu coração,
ao ver a mão da esperança
segurando a minha mão!
4
Amizade… Exaltação
de um sentimento perfeito,
que me traz a sensação
de que Deus mora em meu peito!
5
Anoitece…a lua espia
A varanda em soledade,
E banha a rede vazia
Em seu clarão de saudade.
6
A queimada em tempo breve
apagando a luz do dia,
anula o que Deus escreve
no livro da ecologia!
7
A queimada que se alastra
na floresta, pressagia
a queda de uma pilastra
no templo da ecologia.
8
As espadas da descrença
não ferem meu coração,
nem há presságio que vença
o poder de uma oração.
9
Ausente o rei da seresta
chora a Vila pesarosa…
Mas Deus recebe com festa
o seu filho, Noel Rosa!
10
A vida é um barco divino
tendo ao leme, a mocidade…
Porém, no ocaso, o destino
me leva ao cais da saudade!
11
Brincando, o vento travesso
pelas areias se espraia,
enquanto muda o endereço
das brancas dunas da praia!
12
Desse bilhete velhinho
o passado não se apaga;
onde falta um pedacinho,
a saudade cobre a vaga...
13
Em meu rosto, de mansinho 
a mão da terceira idade, 
traça o mapa de um caminho 
onde trafega a saudade.
14
Em nossa humilde morada
se há pouco pão sobre a mesa,
a ternura partilhada
compensa qualquer pobreza.
15
Envelhecido e tristonho,
tão longe da mocidade,
bebo na taça do sonho
o conhaque da saudade.
16
Há na queimada que enlaça
a floresta em fogaréu,
escura nuvem que embaça
os olhos azuis do céu.
17
Lampadário de bonança,
luzente, formoso e terno,
nada supera a esperança
que existe no olhar materno!
18
Mesmo numa noite triste
quando meu mar se encapela,
minha canoa resiste:
é que Deus vai dentro dela.
19
Na festa plena de encanto
um brinde, um beijo, um anel...
E em vez de sal, no meu pranto
impera o gosto do mel!
20
Na incerteza da jornada
que a vida me faz seguir,
nem mesmo de madrugada
vejo a saudade dormir!
21
Na mesma rua onde os nobres
desfilam pompa e capricho,
se encontram crianças pobres
entre montanhas de lixo.
22
Não chorei na despedida...
Sempre fui ousado e forte;
se a morte é maior que a vida,
o amor é maior que a morte.
23
Na rua, o guri sem nome
que, da miséria, é refém,
sempre encontra o medo e a fome
mas a justiça não vem.
24
Nem mesmo o sol nos desperta
do feitiço sem pudor,
que nos envolve e acoberta
nas madrugadas de amor!
25
No morro, quanta criança
vive feliz, sem cautela;
Deus também planta esperança
na miséria da favela.
26
No olhar de qualquer criança
residente na favela,
sempre existe uma esperança
partilhada à luz de vela.
27
No sertão pobre e carente
chuva é a mão que Deus descerra
e apaga a fogueira ardente
que queima a face da terra.
28
Numa lágrima salgada
eis a vida resumida;
nas emoções da chegada
e nas dores da partida!
29
O frio invade a palhoça
e da face do espantalho,
que vigia a minha roça
descem lágrimas de orvalho.
30
O mar num longo suspiro
inveja a serenidade
da brisa que faz seu giro
pelas dunas da saudade.
31
O tempo da mocidade
passa em constante corrida,
e depois chega a saudade
no ensaio da despedida.
32
Para a criança sem nome,
a calçada, à luz da lua,
é o cativeiro da fome
na liberdade da rua!
33
Pela potência de um grito
ninguém conquista a bonança...
Maior que um protesto aflito
é o silêncio da esperança.
34
Pobre guri que, na rua,
faz seu tristonho pernoite,
mastigando a fome crua
no prato escuro da noite.
35
Quando, à cafifa se entrega
e,com ela, corre ao léu,
alegre, o gurí, carrega
seu pedacinho de céu!
36
Quando a miséria se expressa
em mão tímida que implora,
qualquer pão se faz promessa
que enxuga um olhar que chora...
37
Quando cessa a tempestade,
resta a estrofe derradeira
da seresta da saudade
no compasso da goteira.
38
Quando o medo me deprime,
uma esperança bem forte
entra em meu peito e reprime
os maus presságios da sorte.
39
Quando rezas em surdina
mãe, vejo nos olhos teus,
a inspiração que ilumina
tua conversa com Deus!
40
Quando uma estrela se apaga
no céu de róseo porvir,
um novo sonho me afaga
e o dia acorda a sorrir!
41
Quanta miséria contida
no olhar tímido e tristonho
de uma criança perdida
entre farrapos de sonho... 
42
Quanto mais cresce a ambição
sem cautela, em mãos de ateus,
mais vejo o mundo sem pão
e a humanidade sem Deus.
43
Regeu a banda o Divino
mas agora, aposentado,
seu famoso bombardino
já se encontra enferrujado !
44
Se a mão da treva se estende
em meu caminho e me alcança,
na chama que Deus me acende
conquisto nova esperança.
45
Sem teu amor que me exalta
o sol nem mesmo reluz!…
e eu percebo em tua falta
que falta faz tua luz !
46
Se o teu rosto, Pai, confessa
o cansaço das jornadas,
quanta ternura se expressa
em tuas mãos calejadas!
47
Toda noite, espero, aflito
que ela volte…E na ansiedade,
vejo, mirando o infinito,
o infinito da saudade.
48
Um cego tem seus segredos
e viver não o intimida:
faz, pela ponta dos dedos,
a descoberta da vida.
49
Um pão nas horas de fome
e um teto nas noites frias,
para as crianças sem nome
são apenas utopias.
50
Viver na rua é proeza
que um pivete aprende cedo,
pois nas trevas da pobreza
a fome é maior que o medo.
51
Volta do samba invocado
e a sua mulher reclama:
- Nem vendo o meu rebolado
o Juca despe o pijama!

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...