1
A beleza é a cortina
da dura realidade
para a qual não há vacina
salvo a solidariedade.
2
Abro todas as cortinas
do meu ser à vida plena:
um dia esgotam-se as minas
desta passagem terrena.
3
Aquele galo imponente
foi tão gracioso pintinho;
morreu na rinha inclemente,
longe dos seus e sem ninho.
4
Aqueles céus estrelados
que viam nossos avós
diante das casas, sentados,
são só sonhos para nós
5
Brincando alegres nos mares,
sem roupas e bem juntinhos,
ante todos os olhares
nadavam os dois golfinhos!
6
Cada instante é a vidraça
pela qual podemos ver
que, forma física ou raça,
não é a essência do Ser.
7
Cada ser é gota d’água
que faz os mares e avança;
é Deus que evitando a mágoa
de todos, dá sua lança.
8
Caminhava solitário
pela estrada inexorável
o tempo com seu rosário
de almas, pobre miserável.
9
Cobre o mundo uma cortina
que exibe a palavra PAZ
porém qual é mesmo a sina
que se encontra por detrás?
10
Como é imenso teu valor
dentro do grande universo,
de toda a alegria ou dor
sabe retirar um verso.
11
Como explicar a beleza
que vai brotar de um poema?
É mistério, singeleza,
é o autor em seu dilema.
12
Como explicar a poesia
que nasce no coração?
É tristeza, é alegria,
é prece e também canção.
13
Como posso ver beleza
sem sentir no coração
toda a mágoa e a tristeza
daquele que não tem pão?
14
Como saber se é urgente
de verdade o que queremos
quando tanta, tanta gente
nada tem do que nós temos?
15
Convidou-me uma baleia
pra ver o fundo do mar
onde estava a Lua Cheia
em busca do verbo Amar.
16
Do outro lado da vidraça
a força da natureza,
maltratada por fumaça
defende sua beleza.
17
Ela amava a descoberta
do cosmos, filosofia.
Descobriu com mente aberta,
ser cortina que o escondia.
18
Era luz, era poesia,
era carinho e ternura,
era fonte de alegria:
minha infância de candura.
19
Infeliz quem fecha a porta
ao triste que tanto chora,
nele Deus vê quem se importa
com Ele e então vai-se embora.
20
Janela aberta, vidraça
levantada é coisa antiga.
O que o progresso estilhaça,
a natureza mendiga.
21
Menina se apaixonou
por moço belo, maduro,
que, num coração, traçou
seus nomes num largo muro.
22
Mergulhado na harmonia,
o bom coração transporta
como terna sinfonia
quem procura sua porta.
23
Nas profundezas do mar
cantam tímidas sereias,
suas vozes ao luar
são sinfonia na areia.
24
Nas terras como nas águas
o Amor escreveu só ‘Paz’,
a inveja jogou-lhe tábuas
acrescentando “Aqui jaz” .
25
Os namorados à porta
da cozinha conversavam
e, fugindo para a horta,
escondidos se beijavam.
26
Os noivos diante da torta
de casamento murmuram
que se abre enfim a porta
dos desejos que os torturam.
27
O Sol brilha sobre a Terra,
mira-se em cada vidraça,
onde o homem faz a guerra
sua luz se despedaça.
28
Pareciam meus amigos
enquanto a sorte brilhou.
Quando chegaram perigos
quem é que não me deixou?
29
Passou por mim a beleza,
com um beijo me tocou,
trouxe de elogios riqueza,
mas não mudou o que sou.
30
Por favor não tenha inveja
do talento que o outro tem;
descubra o seu e então seja
tal qual é, como ninguém.
31
Quando desabrocha a flor
perfumada de beleza,
é da semente o valor
que oferece a natureza.
32
Quando escrevo minha trova
minha estrela me seduz,
me ilumina, me renova
e então sou apenas luz.
33
Quando o verde é a cortina
que abriga o bom animal,
se algum homem a elimina,
planta ali seu próprio mal.
34
Somos todos animais;
sê modesto, nunca esquece.
Somos só uma espécie a mais
que no universo envelhece.
35
Tenha uma alma transparente
como a límpida vidraça,
que seu coração e mente
mostrem caráter sem jaça.
36
Todos passam pela porta
da justiça e da clemência,
quando declarada morta
esta vida de aparência.
37
Trem da vida vai passando,
na fumaça do vapor,
pelos trilhos vai mostrando
do carvão todo valor.
38
Tu, soldado valoroso,
vens voltando das batalhas
de uniforme tão formoso
e o coração em migalhas.
39
Veja como se comporta
cada ser na natureza:
cada detalhe é uma porta
bem aberta à profundeza.
Lia-Rosa Reuse nasceu em Caxias do Sul/RS, em 1947, filha de José Albino Reuse, Agente e Tesoureiro dos Correios e Telégrafos durante muitos anos e Verginia Botini Reuse, Auxiliar de Tesouraria, pelo que morou grande parte da sua vida no respectivo prédio, sendo conhecida como "A Menina dos Correios".
Aos dois anos aprendeu a ler sozinha e pouco mais tarde traçava suas páginas dedicadas a seus pais, suas bonecas, a um gatinho que lhe fora furtado.
Foi professora de Francês na Aliança Francesa, de várias matérias em escolas estaduais e particulares; responsável pelas provas vestibulares de Francês da Universidade de Caxias do Sul onde o lecionou no Curso de Letras e de Filosofia do Direito no Curso de Ciências Jurídicas. Conquistou os seguintes diplomas de estudos superiores : Língua e Literatura Francesas - Universidade de Nancy - França ; Letras-Francês, Ciências Jurídicas e Sociais, Filosofia, Psicologia. Fez estudos nas áreas de Música, Jornalismo, Especialização em Filosofia e Teologia. Foi redatora do espaço da Ordem dos Advogados do Brasil no jornal Pioneiro, produtora da revista bilíngue ( Francês/Português ) LeReLeR nos dois anos e meio em que circulou
Teve formação superior com estudos desenvolvidos no Brasil e na França; graduada em Letras (Português e Francês), Ciências Jurídicas e Sociais, Filosofia e Psicologia. Como Advogada Criminalista atuou no Tribunal do Júri de Caxias do Sul.
É autora da obra “A Estrela de Daniel”, lançada em 1997, dos romances “Princesinha da Casa Verde”, em 2006, e “A Menina dos Correios”; de “Ninho de Anjos”/ poesias, em 2008, e dos seguintes livros bilingues ( de sonetos em Francês traduzidos para o Português pela autora): Pétales de Lumière (Pétalas de Luz), Mon Corps – Une Pensée (Meu Corpo - Um Amor Perfeito) , Chant de Siréne au Bord du Fantastique (Canto de Sereia á Beira do Fantástico). Em 1997 estabeleceu o primeiro contato com a ACL participando de seu I Concurso Literário com a crônica "Os Girassóis de São Pelegrino" que se classificou em 1º lugar.
Participou de diversas antologias no Brasil e no exterior, em português e em francês. Tem obras individuais, em poesia e em prosa, publicadas em ambos idiomas. Foi membro de Academia Virtual Brasileira de Letras, da Academia Caxiense de Letras-RS e da União Brasileira de Trovadores Seção Caxias do Sul.
Faleceu em 2011, aos 64 anos de idade, na mesma cidade em que nasceu.
Fontes:
http://paginas.terra.com.br/arte/reuse/
– União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre. Milton S. De Souza (editor). Livro de Trovas de Alice Brandão e Lia Rosa. Coleção Terra e Céu vol. XCIX. Porto Alegre/RS: Textocerto, 2016.
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