1
A chuva fina não passa!
Quase a medo o sol reluz,
e, nesse instante, a vidraça
chora lágrimas de luz!…
2
À criança eu rendo um culto
que eu não rendo a mais ninguém
pois ela transforma o adulto
numa criança também.
3
A criança quando chora
até no pranto seduz!
É como se a própria aurora
chorasse gotas de luz!...
4
A estrada é longa, é comprida,
é tortuosa demais.
E eu vou dirigindo a vida
sem olhar para os sinais!
5
Ai de quem foge, no mundo,
dos caminhos da verdade
que a fuga dura um segundo
e o remorso... a eternidade.
6
A mulher que eu desejava,
meu sonho de perfeição,
tinha tudo que eu sonhava.
Só não tinha coração!...
7
Anoitece... A Terra dorme.
Há sombras em quase tudo
e uma lua branca enorme
brinca num céu de veludo!
8
Apesar de sempre alerta,
o carapina Marcelo,
quando o dedo, acaso, acerta,
muda o nome do martelo!
9
Caim, irado, inclemente,
no seu despeito profundo,
foi a primeira semente
de toda a inveja do mundo.
10
Choveu... fez sol e, em resposta,
surge um arco de beleza:
festa de luz decomposta
nos prismas da natureza!
11
Comprido, fino, dengoso,
o rio é um traço de prata
que alinhava, preguiçoso,
a saia verde da mata!
12
Com seu açoite, o destino
fustiga os corcéis da aurora
e num carro purpurino
arranca o sol para fora!
13
Desde os tempos de menino,
apesar das restrições,
na cartilha do destino,
vou soletrando ilusões!
14
Dona Benta, a minha sogra,
a mim nunca convenceu:
se foi benta, não me logra,
- o diabo é quem benzeu!
15
Eu venho sempre tentando
ser feliz e não consigo.
O destino anda brincando
de cabra-cega comigo.
16
É verão... no dia enorme
de ar parado e de mormaço,
parece que a mata dorme
e o sol cochila no espaço!
17
Jangada... filhos com fome
e Maria a me esperar.
Senhor Deus, em Vosso nome,
eu lanço as redes no mar.
18
Meu afilhado e sobrinho,
um capeta sempre foi.
Ao dizer: - Bênção, padrinho,
respondo: - Deus te perdoe!...
19
Meu coração tinha fama
de ter um sopro qualquer,
fiz eletrocardiograma
e meu mal era mulher…
20
Minha sogra é macumbeira.
Fez feitiço e acendeu vela.
Me “benzeu” de tal maneira,
que eu casei co’a filha dela!
21
Minha sogra idolatrada
é uma uva, anjo moreno,
mas daria, se esmagada,
em vez de vinho... veneno!...
22
Meu violão, tuas cordas,
dispensam qualquer compasso
se as minhas mágoas acordas
nas serenatas que faço.
23
Minha vida amarga e tosca
parece a aranha que passa
e tenta pegar a mosca
do outro lado da vidraça.
24
Na alvorada loira e mansa,
o sol, em doirado afago,
espanta a lua que dança
na superfície do lago!
25
Na clave do sol crescente,
nas asas da melodia,
a semibreve é semente
que produz a sinfonia.
26
Na eternidade indolente
multiplicam-se as auroras
e o “segundo” é uma semente
na dança eterna das horas.
27
Não chores se na existência
calejaste os ombros nus:
muitas vezes a consciência
pesa mais que qualquer cruz!
28
Não julgues nunca a pobreza,
nem desmereças ninguém
que a porcelana chinesa
saiu do barro também.
29
Não julgues teu inimigo,
não julgues, enfim, ninguém.
Quem julga corre o perigo
de ser julgado também!
30
Nesta casinha modesta
que é coberta de sapê,
imagine só que festa
eu faria com você!...
31
Nos idos da mocidade,
talvez dos sonhos desperto,
rimei amor com saudade
e juro que estava certo!..
32
Num prenúncio de Evangelho,
tu pões, no olhar feiticeiro,
ternura de preto velho
em macumba de terreiro.
33
Os poetas foram criados,
por capricho do Senhor
com seus destinos traçados
por algum lápis de cor!...
34
O tempo, força estupenda,
sempre em cada alvorecer,
abre as páginas da Agenda
para o Destino escrever!...
35
Por mais que a vida nos traia,
multiplique os nossos ais,
nós somos da mesma laia:
dois orgulhosos iguais!
36
Por muito, muito que valha,
nossa vida é, na verdade,
nada mais do que migalha
na mesa da eternidade.
37
Por ter ciúmes da Rita,
em seu lar, temendo um "cacho",
Zé não deixa entrar visita
e nem mamão (quando é macho).
38
Por ver-te com olhos cúpidos,
por querer-te, por amar-te,
na procissão dos estúpidos,
eu fui o porta-estandarte.
39
Quando a tristeza se acalma
e me permite sonhar,
eu abro as vidraças da alma
e deixo a saudade entrar!
40
Quando está junto da cria
que procura agasalhar,
até a fera mais bravia
Possui ternura no olhar!
41
Quanta ternura brotava
daqueles olhos divinos
quando Jesus exclamava:
-Vinde a mim os pequeninos!
42
Que importa se em teu caminho
haja presença da dor?
No ramo, também, o espinho
nasce primeiro que a flor!
43
Regenerei-me, mãezinha,
como você sempre quis.
E a doce mentira minha
fez mamãe morrer feliz.
44
Sabem os sábios profundos,
sabem os crentes e ateus,
que a dissonância dos mundos
tem a regência de Deus!
45
Se rosa branca é pureza
e a pureza é doce e franca,
na terra, tenho certeza,
minha mãe foi rosa branca.
46
Só duas vezes a Estela
traiu o pobre do João:
- uma vez com o sentinela,
outra vez, com o batalhão!...
47
Sol e chuva e, em resplendores,
fez a luz, com seus arranjos,
tobogã de sete cores
para o folguedo dos anjos.
48
Somente o vaqueiro triste
entende de uma só vez
a nostalgia que existe
no mugir de cada rês.
49
Tecendo nuvens de prata,
Dona Lua, tecelã,
para ouvir-me em serenata
ficou até de manhã!
50
Telegrafista do espaço,
o vaga lume reluz
e escreve com ponto e traço
suas mensagens de luz!
51
Teu beijo de despedida
carregou dentro do adeus
os sonhos da minha vida
e a vida dos sonhos meus!
52
Teus olhos, contas divinas,
por falsos, minha alma os teme.
São iguais às turmalinas
no caminho de Pais Leme!
53
Teu sorriso me bastava,
muito embora hoje me baste,
a ternura que faltava
no beijo que me negaste!
54
Todos os picos da serra,
dos Andes aos Pirineus,
são dedos grandes da Terra
mostrando a casa de Deus.
55
Tua ternura é carinho
que não diz nada e diz tudo
pois é tecida de arminho
num coração de veludo!
56
Vai o sol, pintando agora,
na ternura que seduz,
os lábios rubros da aurora
com pinceladas de luz!
57
Veleiro de vela panda,
perdeste o rumo e, a bailar,
vais brincando de ciranda
nas águas verdes do mar.
58
Vi minha sogra, pelada,
saindo do quarto escuro.
Sonambulismo que nada...
Sem vergonhice no duro!…
59
Voltaste enfim e eu confesso
que já prevejo, querida,
na alegria do regresso,
novo adeus de despedida.
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Célio Belmiro Grunewald nasceu em Juiz de Fora em 1923 e faleceu nesta mesma cidade em 1991. Formado em Ciências Comerciais e Contabilidade, foi funcionário do antigo Departamento de Correios e Telégrafos, por onde se aposentou. Pertencia à Academia Juizforana de Letras, cadeira número 07 (Patrono Oscar da Gama) e à União Brasileira de Trovadores, seção de Juiz de Fora, sendo seu Presidente de Honra.
Publicou, em parceria com outros três poetas, o livro "Quatro Caminhos". Foi inúmeras vezes premiado em concursos nacionais e internacionais de poesias e trovas.
Fonte Principal:
UBT-Porto Alegre/RS. Arlindo Tadeu Hagen e Célio Grunewald.
Coleção Terra e Céu vol. LII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2017.
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