1
A ausência é tanta, em verdade,
que a minha desilusão
tem a forma da saudade
e os braços… da solidão!!!
2
A passagem mais sofrida,
que nós fazemos a sós,
é ver o alcance da vida
sair do alcance de nós...!
3
A velha esquina esquecida
toda enfeitada de flor,
sem querer, fez-se guarida
de nossa história de amor.
4
Da linda infância de outrora,
guardo os brinquedos diversos,
na lembrança, que hoje mora,
no doce encanto… dos versos!
5
Eu sinto a força da vida
e a mão divina de Deus,
em cada manhã florida,
na aurora… dos versos meus!
6
Mar adentro, mundo afora,
a distância aumenta mais…
e enquanto a saudade chora,
um lenço acena no cais.
7
Meu senhor, por caridade,
não me julgue em atos vãos…
Trago a minha identidade
nos calos das minhas mãos.
8
O tempo passa, é verdade,
levando tudo o que sou…
mas só não passa a saudade
que o próprio tempo deixou!
9
Quando a saudade vagueia
pelas noites, nos meus ais,
o encanto da lua cheia
acalma os meus madrigais.
10
Queimando em silente chama,
a floresta, em triste sina,
caindo ao chão, ainda clama
pela vida... que termina...!
11
Saudade – quantos desejos
por esta espera sem fim…
Relembrando os teus arpejos,
hoje sou refém… de mim!
12
Vida: caminho que alcança
na esquina a sua metade;
de um lado, vive a esperança,
do outro, dorme a saudade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
AS TROVAS DE MARA MELINNI EM PRETO E BRANCO
por José Feldman
TEMAS ABORDADOS
As "Trovas de Mara Melinni" capturam emoções profundas como saudade, solidão e a passagem do tempo.
Saudade e Solidão:
A presença constante da saudade se reflete na solidão, mostrando como a ausência de alguém pode moldar nossos sentimentos.
Memórias da Infância:
A nostalgia pela infância é retratada com carinho, destacando a importância das lembranças e dos momentos simples.
Relação com o Tempo:
O tempo é um tema central, simbolizando a transitoriedade da vida, mas também a permanência das memórias e da saudade.
Natureza e Vida:
A conexão com a natureza é evidente, enfatizando a beleza e a tristeza que coexistem na vida.
Identidade e Luta:
A identidade é apresentada através das experiências vividas, refletindo a luta e a resiliência.
AS TROVAS UMA A UMA
1. A ausência é tanta, em verdade
Reflete a dor da ausência, onde a desilusão se transforma em saudade. A solidão é personificada, mostrando como a falta de alguém amado pode preencher o espaço emocional.
2. A passagem mais sofrida
Explora a ideia da vida como uma jornada solitária. A metáfora do "alcance" sugere que a vida se torna cada vez mais distante e inatingível, intensificando a sensação de perda.
3. A velha esquina esquecida
A esquina, um símbolo de memórias compartilhadas, representa a história de amor que perdura, mesmo em um espaço aparentemente comum, tornando-se um refúgio emocional.
4. Da linda infância de outrora
A nostalgia é palpável nesta trova. Os brinquedos simbolizam a simplicidade e a alegria da infância, enquanto os versos expressam a conexão afetiva com essas memórias.
5. Eu sinto a força da vida
Aqui, a vida é vista como um presente divino, manifestando-se nas manhãs. Os versos tornam-se uma forma de expressar gratidão e reconhecer a beleza da existência.
6. Mar adentro, mundo afora
A distância é um tema recorrente, e o lenço acenando simboliza a saudade e a despedida. O mar representa tanto a separação quanto a vastidão das emoções.
7. Meu senhor, por caridade
Uma súplica por compreensão. A identidade é revelada através das experiências difíceis, e os "calos" simbolizam luta e resiliência, desafiando preconceitos.
8. O tempo passa, é verdade
Reflete sobre a inevitabilidade do tempo, que leva tudo, exceto a saudade. Essa permanência da saudade sugere um vínculo emocional que transcende o tempo.
9. Quando a saudade vagueia
A saudade é personificada, e a lua cheia traz um senso de calma. A natureza se torna um consolo nas horas de dor, mostrando a conexão entre emoções humanas e o mundo natural.
10. Queimando em silente chama
A floresta, símbolo de vida, está em sofrimento. Essa imagem evoca a fragilidade da natureza e a perda inevitável, refletindo a tristeza da vida que termina.
11. Saudade – quantos desejos
A saudade é descrita como uma prisão emocional. Os "arpejos" sugerem lembranças musicais, evocando a beleza de momentos passados que agora geram um desejo profundo.
12. Vida: caminho que alcança
Uma reflexão sobre a dualidade da vida: esperança e saudade coexistem. A esquina simboliza a escolha e a bifurcação entre o que se deseja e o que se perdeu.
RELAÇÃO DAS TROVAS DE MARA COM OUTROS POETAS
As trovas de Mara Melinni dialogam com diversos poetas, refletindo temas universais como saudade, solidão, e a passagem do tempo.
Fernando Pessoa
Mara fala sobre a saudade e a solidão, similar ao que Pessoa expressa em seus poemas sobre a fragmentação do eu e a busca por significado. Ambos exploram a dor emocional e a introspecção. Como por exemplo, em “Tabacaria”, de Pessoa, a solidão e a busca por identidade ecoam a saudade e a desilusão nas trovas.
Cecília Meireles
A nostalgia presente nas trovas ressoa com a obra de Cecília Meireles, que também aborda a infância e as memórias afetivas. Ambas celebram a beleza efêmera da vida e dos momentos passados. Comparado ao poema "Ou isto ou aquilo", de Cecília, a nostalgia pela infância revela como as memórias moldam a identidade e os anseios.
Adélia Prado
A relação com a natureza em Melinni ecoa a poesia de Adélia Prado. A busca por identidade e sentido na vida é um tema comum. Na "A alegria de viver", de Adélia, há um entrelaçamento entre o cotidiano e o divino ressoando com a natureza e a espiritualidade nas trovas acima .
Vinicius de Moraes
A melancolia do amor e a saudade são centrais nas obras de ambos. Vinicius, com sua musicalidade romântica, complementa a sensibilidade das trovas de Mara, podemos citar por exemplo “Soneto da Separação”, de Vinicius.
Carlos Drummond de Andrade
Como o poema de Drummond “No meio do caminho”, a reflexão sobre o tempo e a transitoriedade da vida em Mellini coincide com a obra de Drummond, que frequentemente explora a condição humana e a passagem do tempo com uma profundidade semelhante.
MARA MELINNI E A POESIA CONTEMPORÂNEA
Alguns poetas contemporâneos podem ser vistos como imbuídos em uma relação com os temas abordados pelas trovadora. Como exemplo, podemos citar:
Mariana Enriquez, com a exploração da memória e da perda.
Assim como Mara, poetas como Ana Cristina Rodrigues e Tatiana Nascimento abordam a saudade e a nostalgia, refletindo sobre experiências pessoais e coletivas. Ana Cristina Rodrigues, e a relação entre o cotidiano e a profundidade emocional, com um foco na saudade. Tatiana Nascimento, numa busca por identidade e a resiliência em meio à solidão.
Rafael Alvim, com a musicalidade dos versos e a reflexão sobre a vida e o tempo. Melinni e poetas contemporâneos, como Rafael, frequentemente utilizam imagens da natureza para expressar sentimentos humanos, criando um elo entre o interno e o externo.
Bruna Lombardi, que se insere numa intersecção entre amor, natureza e introspecção. Poetas como Bruna utilizam a sonoridade para intensificar a emoção, semelhante à fluidez das trovas de Mara.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As trovas aqui expostas oferecem uma rica tapeçaria emocional que explora a complexidade da experiência humana. Com um lirismo delicado, a trovadora aborda temas universais como saudade, solidão e a efemeridade da vida, revelando a profundidade de suas emoções e reflexões.
Os diálogos com outros poetas mostram como a poesia de Mara Melinni se insere em um contexto mais amplo, dialogando com temas e emoções que permeiam a literatura brasileira, enriquecendo a compreensão da experiência humana. As imagens naturais e cotidianas que permeiam suas trovas criam uma conexão íntima entre o eu lírico e o mundo ao seu redor, ressaltando a interdependência entre as emoções humanas e a natureza.
A musicalidade nas trovas de Mara é única e profundamente ligada à sua temática emocional. Ela se destaca pela estrutura das trovas e pela fluidez melancólica, enriquecendo a diversidade da poesia contemporânea. Em suma, as trovas não apenas expressam a dor e a beleza da vida, mas também convidam o leitor a uma jornada de autodescoberta e reflexão. Elas nos lembram que, apesar das perdas e da solidão, a poesia tem o poder de capturar a essência da vida, transformando a saudade em arte e oferecendo consolo nas intersecções do tempo e da memória.
Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.
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