terça-feira, 22 de outubro de 2024

Manoel Cavalcante (Trovas em Preto & Branco)

 

1
A noite sai do espetáculo,
inerme, discreta e estranha;
o sol por trás de um pináculo
eriça a luz na montanha… (…)
2
A trova levou-me aos céus,
pois entre joios e trigos
perdi pequenos troféus
mas ganhei grandes amigos.
3
A velhice, em tom sarcástico,
gosta de mostrar que sou
restos de sonhos de plástico
que o trem do tempo esmagou.
4
Covarde, pobre e mesquinho;
quem durante a caminhada
ante às pedras do caminho,
decreta o final da estrada.
5
É duro olhar para o lado
em meio ao redemoinho,
no vento mais conturbado
e ver… Eu estou sozinho!
6
– Já passaste, Primavera?!
Nenhuma flor me marcou!
Querendo ser quem eu era,
nunca mais fui quem eu sou…
7
Junta-se o poeta aos loucos;
um diário vivo em versos,
expressando como poucos
os sentimentos diversos.
8
Na madrugada sem fim,
a saudade, desvairada,
acende um confronto em mim
entre um ninguém e um nada!…
9
Na realidade, o pecado
que me faz vagar a esmo,
foi na vida ter amado
outro alguém mais que a mim mesmo!
10
No trem, a vida é mesquinha.
Pare! Não tema empecilhos.
Não há quem ande na linha
neste planeta sem trilhos.
11
Pela dor da decepção
eu já me recuperei,
só falta a devolução
de um amor que eu te entreguei!
12
Se foi feitiço ou segredo,
pra mim não adianta, é tarde!
Quando alguém ama com medo,
esculpe um amor covarde!

AS TROVAS DE MANOEL CAVALCANTE EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As Trovas, suas Temáticas e Relações om Poetas Brasileiros e Estrangeiros  de diversas épocas

Trova 1. A noite sai do espetáculo
Temática: Transitoriedade e Melancolia
A noite, representando o fim de um ciclo, é descrita como discreta e estranha. O sol que surge simboliza renascimento, mas a forma como é apresentado sugere um contraste entre a beleza do novo dia e a saudade da noite que se vai.

Cecília Meireles (1901 – 1964): a transitoriedade e a melancolia estão presentes em sua obra, que frequentemente explora o tempo e a passagem das coisas.

Emily Dickinson (EUA, 1830 – 1886): também aborda a dualidade entre luz e escuridão, refletindo sobre a vida e a morte em seus poemas.

Trova 2. A trova levou-me aos céus
Temática: Amizade e Alegria
Aqui, o eu lírico reflete sobre a jornada da vida, onde a busca por pequenos troféus (conquistas) é superada pela formação de grandes amizades. Isso enfatiza a importância das conexões humanas sobre as realizações materiais.

Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987): a amizade e os laços humanos são temas centrais em sua obra, especialmente em como as relações moldam nossa vida. 

Walt Whitman (EUA, 1819 – 1882): celebra a conexão humana e a amizade em sua obra, enfatizando a importância das relações na experiência humana.

Trova 3. A velhice, em tom sarcástico
Temática: Envelhecimento e Desilusão
A velhice é tratada de maneira crítica, onde o trovador se vê como restos de sonhos não realizados. A metáfora do “trem do tempo” sugere que os sonhos foram esmagados pela passagem inevitável do tempo, trazendo um tom de resignação.

Adélia Prado (1935): explora a passagem do tempo e a sabedoria que vem da experiência, muitas vezes com um tom irônico.

Robert Frost (EUA, 1874 – 1963): também aborda a inevitabilidade do envelhecimento e a reflexão sobre sonhos perdidos.

Trova 4. Covarde, pobre e mesquinho
Temática: Medo e Conformismo
Critica aqueles que, diante das dificuldades, desistem da jornada. A metáfora das “pedras do caminho” representa os obstáculos da vida, e a entrega à mediocridade é vista como uma covardia.

Alphonsus de Guimaraens (1870 – 1921): A luta contra a mediocridade e a busca por significado na vida são temas que aparecem em sua obra.

T.S. Eliot (EUA, 1888 – 1965, Inglaterra): frequentemente examina a condição humana e a luta contra o tédio e a estagnação. A passagem do tempo e suas implicações são temas centrais nas obras de ambos. Enquanto Cavalcante lida com a melancolia da transitoriedade, Eliot, em poemas como "The Love Song of J. Alfred Prufrock", reflete sobre a hesitação e o arrependimento.

Trova 5. É duro olhar para o lado
Temática: Solidão e Crise Interior
A solidão é enfatizada em um momento de turbulência. O eu lírico se sente isolado, mesmo no meio da confusão, refletindo a dificuldade de encontrar apoio ou conexão em momentos difíceis.

Augusto dos Anjos (1884 – 1914): a solidão e a crise existencial estão presentes em sua poesia, refletindo uma visão sombria da condição humana.

Franz Kafka (Tchecoslováquia, 1883 – 1924): a solidão e a alienação em meio à sociedade são temas centrais na obra de Kafka, que retrata a luta interna do indivíduo.

Trova 6. – Já passaste, Primavera?!
Temática: Perda e Nostalgia
A Primavera simboliza renovação e esperança, e a ausência de flores sugere uma perda de vitalidade e alegria. Lamenta a transformação que o afastou de sua essência, expressando um desejo de retornar ao que era.

Vinícius de Moraes (1913 – 1980): a nostalgia e a busca por momentos perdidos são temas recorrentes em sua poesia.

Pablo Neruda (Chile, 1904 – 1973): trata da perda e da saudade em sua obra, especialmente em relação ao amor e à passagem do tempo. Ambos exploram o amor com intensidade, capturando a paixão e a dor que ela pode trazer. Neruda, em sua poesia, aborda o amor de maneira épica, enquanto Cavalcante traz uma abordagem mais intimista e reflexiva.

Trova 7. Junta-se o poeta aos loucos
Temática: Criatividade e Loucura
A relação entre poesia e loucura é explorada, onde o poeta se une aos que sentem intensamente. A escrita é apresentada como uma forma de expressar sentimentos complexos, revelando a profundidade da experiência humana.

Manuel Bandeira (1886 – 1968): a relação entre loucura e poesia é explorada em sua obra, refletindo a intensidade das emoções.

Sylvia Plath (EUA, 1932 – 1963): ambos lidam com questões existenciais e a luta interna do ser humano. Plath, com sua abordagem confessional, reflete sobre a angústia e a identidade, algo que também ressoa nas trovas de Cavalcante.

Trova 8. Na madrugada sem fim
Temática: Saudade e Conflito Interior
A madrugada representa um estado de introspecção e solidão. Cavalcante enfrenta um confronto interno entre a sensação de ser “ninguém” e “nada”, refletindo um estado de desespero e busca por significado.

Clarice Lispector (1920 – 1977): a introspecção e a busca pelo sentido da vida são temas comuns em sua prosa e poesia.

Rainer Maria Rilke (Áustria, 1975 – 1926): a solidão é uma preocupação central em ambas as obras. Rilke, conhecido por suas meditações sobre a existência e a busca por significado, ecoa os sentimentos de introspecção que permeiam as trovas de Cavalcante.

Trova 9. Na realidade, o pecado
Temática: Amor e Autodescoberta
Reconhece que amar outra pessoa mais do que a si mesmo é um erro que leva à desorientação. Essa descoberta é dolorosa, enfatizando a necessidade de amor-próprio como fundamental para a felicidade.

Álvaro de Campos (Portugal, 1890 – 1935) : (heteronímia de Fernando Pessoa) a luta interna entre o amor e o amor-próprio é uma questão que aborda com complexidade em sua obra.

John Keats (Inglaterra, 1795 – 1821): explora a ideia de amor e sacrifício, refletindo sobre a busca por uma conexão profunda. A busca por significado em meio à dor e a beleza da vida são temas comuns. Keats, com sua sensibilidade romântica, compartilha essa busca existencial com Cavalcante.

Trova 10. No trem, a vida é mesquinha
Temática: Obstáculos e Perseverança
A metáfora do trem sugere que a vida tem seu caminho, mas as dificuldades são inevitáveis. O poeta encoraja a não temer os empecilhos, reconhecendo que todos enfrentam desafios em sua jornada.

Mário Quintana (1906 – 1994): reflete sobre a vida e suas dificuldades, sempre com um tom leve e filosófico. A valorização das pequenas coisas da vida e a reflexão sobre o tempo são comuns nas obras de ambos.

Bertolt Brecht (Alemanha, 1898 – 1956): aborda a luta e a resistência frente às adversidades da vida, refletindo sobre a condição humana.

Trova 11. Pela dor da decepção
Temática: Recuperação e Esperança
A dor da decepção é reconhecida, mas expressa um desejo de recuperação. A devolução do amor perdido sugere que a superação é possível, mas exige um retorno ao que foi dado.

Hilda Hilst (1930 – 2004): a dor do amor e a busca por recuperação emocional são temas centrais em sua obra intensa.

John Milton (Inglaterra, 1608 – 1674): explora temas de perda e redenção, especialmente em sua obra mais famosa, "Paraíso Perdido".

Trova 12. Se foi feitiço ou segredo
Temática: Amor e Vulnerabilidade
O trovador reflete sobre o amor vivido com medo, que resulta em uma relação covarde. A ideia de que o amor deve ser destemido é central, sugerindo que a autenticidade é essencial para um amor verdadeiro.

Lya Luft (1938 – 2021): frequentemente aborda o amor e a vulnerabilidade, refletindo sobre as complexidades das relações.

Anne Sexton (EUA, 1928 – 1974): trata do amor e da vulnerabilidade em sua poesia, explorando os medos e as inseguranças que o cercam.

CONCLUSÃO

As trovas de Manoel Cavalcante é marcada por uma riqueza temática que reflete a complexidade da experiência humana. Suas trovas abordam sentimentos universais como amor, solidão, passagem do tempo, e a busca por significado, sempre com um tom introspectivo e lírico. Essa profundidade emocional se alinha a obras de poetas brasileiros e estrangeiros que também exploram essas questões fundamentais.

Cavalcante celebra a beleza e a dor do amor, semelhante a poetas como Vinícius de Moraes, que exalta a paixão em suas várias facetas. A intersecção com Walt Whitman é notável, pois ambos valorizam a conexão humana, enfatizando a importância das relações.

A solidão é um tema recorrente nas trovas, refletindo-se em poetas como Augusto dos Anjos e Fernando Pessoa (em sua heteronímia Álvaro de Campos). Tanto o trovador quanto esses poetas exploram a alienação e a busca por identidade em um mundo muitas vezes indiferente.

A reflexão sobre o tempo e a inevitabilidade da morte permeia a obra de Cavalcante, assim como na poesia de Cecília Meireles e Adélia Prado. Essas vozes também lidam com a transitoriedade da vida, trazendo uma sensibilidade lírica que ressoa com a experiência humana.

O trovador tem um olhar atento ao cotidiano, semelhante a poetas como Mário Quintana, que encontram beleza nas pequenas coisas. Essa apreciação pela simplicidade e pela vida comum é um traço unificador entre eles.

Suas trovas muitas vezes abordam questões existenciais, alinhando-se com a obra de Hilda Hilst e Anne Sexton. Ambos exploram a condição humana e os dilemas internos, refletindo sobre a dor e a busca por significado.

As temáticas de Manoel Cavalcante estabelecem um diálogo rico com a poesia de diversos autores, tanto brasileiros quanto estrangeiros. Sua habilidade de capturar a essência da experiência humana ressoa com a obra de poetas que também buscam entender o amor, a solidão, e a passagem do tempo. Essa interconexão entre diferentes vozes poéticas enriquece a literatura, mostrando que, apesar das particularidades culturais e temporais, as emoções e questões existenciais são universais. Assim, a poesia de Cavalcante não apenas dialoga com outros poetas, mas também se torna um veículo para a reflexão sobre a condição humana, perpetuando sua relevância na tradição literária.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

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