1
A humanidade até gosta
de não saber a verdade,
quando a mentira, bem posta,
lhe trouxer felicidade.
2
A saudade às vezes fala,
e até grita - quem diria? -
quando a rede, a sós, se embala
numa varanda vazia.
3
A vila reza, orvalhada,
tendo o sol por capelão...
- Homem no cabo da enxada
é uma espécie de oração!
4
A vingança do chulé
não lavado há vinte dias,
é deixar meias em pé
mesmo que estejam vazias!
5
Chora a chuva na vidraça...
chora o vento em frenesí
e a solidão, por pirraça,
está dizendo:- Eis-me aquí!
6
Chove e não vens... a tristeza
faz escurecer meu dia
e a solidão - vela acesa -
em silêncio me alumia.
7
Como cultivo amizades
e sou bom agricultor,
irão escrever: "SAUDADES",
na campa aonde eu me for.
8
Cupido avisa aos poetas
e também aos namorados
que seus estoques de setas
foram todos renovados!
9
Cupido sempre intercala
alguma perda em desejos:
se me beijas... perco a fala;
se me falas... perco os beijos!
10
Dos fados em que sou réu,
há sucessos tão estranhos...
Chego a ver o azul do céu
morar em olhos castanhos...
11
Dou às trovas que componho
tempo, amor, astúcia, empenho,
mais as asas do que sonho...
Mais não dou, porque não tenho.
12
Enquanto a nau Esperança
singrar os mares da vida,
minha Quimera não cansa
e nem se dá por vencida.
13
Este dístico singelo
a verdade satisfaz:
caneta, arado e martelo
são os arautos da paz.
14
Estrofes são caravelas
que singram os pensamentos.
Com as rimas, faço as velas,
com as sílabas, os ventos.
15
Estudo trovas a fundo,
mas persisto na suspeita,
que a trova melhor do mundo
até hoje não foi feita.
16
Flerte, romance de olhares
dizendo, em forma elegante
mil promessas de luares
traduzidas num instante.
17
Há balanços conflitantes
em vidas fúteis e loucas:
os outonos são bastantes
e as primaveras bem poucas.
18
Meu cupido é deus macabro,
põe milagres no lampejo.
Não estás, se os olhos abro...
fecho os olhos e te vejo.
19
Na blusa prendes a rosa
à altura do coração.
Como pode ser viçosa
uma flor sobre um vulcão?
20
– Não bebo mais!… – diz o Souza,
com intentos bons e plenos.
Discorda deles a esposa:
– Não bebe mais … e nem menos!
21
Naquele amor que resiste
às invernias da idade,
a lembrança é órfão triste
nos asilos da saudade.
22
Na trova, às vezes, invento
emoções e não as sinto.
Mas creia no meu talento,
sou sincero quando minto!
23
Nesta vida hostil e azeda
e desespero sem par,
rogo a Deus que me conceda
a coragem de sonhar.
24
Ninho de felicidade
com gravetos de ilusão,
se faz com facilidade
mas tem curta duração.
25
O amor no moço é fogueira,
em ardente combustão,
mas no velho é uma lareirta
com mais cinzas que carvão.
26
O papel é a carruagem
que eu dirijo da boleia.
Tomo as rédeas da viagem
dando açoites numa ideia.
27
O poema é luz imensa
que se espalha em frenesi.
Por isso o poeta pensa
ter um deus dentro de si.
28
O silêncio às vezes fala
de saudades - Quem diria!
quando a rede, a sós, se embala
numa varanda vazia.
29
Os murmúrios das gaivotas,
em noites de lua cheia,
são canções deixando as notas
nas pautas brancas da areia.
30
O tamanho dos abismos
que puseste em nossas vidas
não se mede em algarismos
mas em lágrimas vertidas.
31
O tempo escreve a seu gosto
no passar do dia a dia,
muitas rugas no meu rosto,
mas... tem má caligrafia.
32
O tempo não traz perigo
à verdadeira amizade.
Quem não é mais teu amigo,
jamais o foi de verdade.
33
Pelas ciladas que trama,
a Insônia é mulher-perigo:
– marca encontro em minha cama,
mas não quer dormir comigo!
34
Pela vida me foi dado
um conselho em que me alerto:
antes rir desafinado
que soluçar no tom certo.
35
Quanto mais o tempo avança,
mais eu fico a perceber
que a saudade é uma lembrança
que se esqueceu de morrer.
36
Quatro versos num estojo,
mas além desta embalagem,
a trova deve, em seu bojo,
comportar uma mensagem.
37
Ser caule, flor ou ser folha
não é sorte nem é sina,
pois de antemão tal escolha
se fez por ordem divina.
38
Se te serves de mentiras
para cresceres em ganho,
é bom que logo confiras
que encurtaste no tamanho!
39
Sob o sol, a voz do arado,
no início da semeadura,
vai anunciando o noivado
entre o suor e a fartura.
40
Tendo à mão uma caneta
mais o empenho a manejá-la,
vou mesmo a qualquer planeta
sem sair daqui da sala.
41
Vai para o mar a jangada
tendo um sonho por escolta.
Volta sem peixes, sem nada,
nem o sonho traz de volta.
MIGUEL KOPSTEIN RUSSOWSKY, filho de Jacob Russowsky e de Eva Russowsky, nasceu em 21 de junho de 1923, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Casou-se com Vitória Toaldo Russowsky e teve quatro filhos: Leila Brunoni, June Braganholo, Miguel Igôr Russowsky e Silvia Herter.
Cursou o primário na Escola São José, em Jaguari e o secundário no Colégio Estadual Santa Maria (Maristas), entre 1933 e 1940 (pré-médico).
Em 1940 entrou na medicina URGS e formou-se em 1946, aos vinte e três anos em Porto Alegre. Exerceu clínica e cirurgia geral durante os últimos 50 anos de profissão, sempre pela medicina livre, sem vínculos empregatícios.
Livros publicados: Céu de Estrelas – 1951 (reeditado); O Julgamento de Tiradentes – 1980 (peça teatral); O Segredo do Pântano – 1983 (peça encenada pelo Grupo Teatral Eugênio Marcheti, de Herval d´Oeste); Poesias Melancólicas – 1994; Noite de Lua – 1996; Cadeira de Balanço - 1998; Confeitos de quimera – 2000; Cantares de um vulcão quase extinto – 2005
Além de sonetos e poemas, Russowsky também produzia excelentes Trovas líricas, humorísticas, patrióticas, religiosas. Sua inspiração privilegiada não conhecia limites. Suas poesias foram exaustivamente publicadas em jornais, revistas, boletins, antologias etc e divulgados em programas radiofônicos e televisivos. Conquistou mais de 400 prêmios literários no Brasil e no exterior.
Sócio fundador do Lions Clube de Joaçaba - SC.
Membro da Academia Catarinense de Letras;
Diretor Literário da SCAJHO – Sociedade de Cultura Artística Joaçaba e Herval d´Oeste;
Era proprietário do Hospital São Miguel, o maior e mais bem aparelhado da região e do Hotel Jaraguá, em Joaçaba, SC.
Faleceu no dia 3 de outubro de 2009, de acidente automobilístico.
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