Não há poeta ou trovador que alguma vez não tenha sido perseguido por um pai ou mãe, pedindo versos para os seus rebentos. Certa vez tive que improvisar, para um cartão de aniversário, esta quadrinha de circunstância, horrivelzinha como ela só, mas que o orgulhoso papai achou uma beleza:
Hoje eu completo um aninho
e estou contente, porque
vou repartir meu bolinho,
dando um pedaço a você.
e estou contente, porque
vou repartir meu bolinho,
dando um pedaço a você.
Em outra ocasião, Colbert Rangel Coelho, integrando um grupo de trovadores que viajavam para participar de uns Jogos Florais, teve a sorte de, no ônibus, sentar-se ao lado de uma moça muito bonita, mas calada e compenetrada. Colbert ficou quietinho mas, na primeira parada, ao descer para um cafezinho, piscou o olho e nos segredou:
Eu sentado na beirada,
ela junto da janela.
— Graças às curvas da estrada,
vou sentindo as curvas dela...
ela junto da janela.
— Graças às curvas da estrada,
vou sentindo as curvas dela...
Em Pouso Alegre,MG, fiz uma trova de circunstância que passou a figurar no cardápio da Cantina Uirapuru, e que me valeu uma refeição de graça:
Se você está com fome,
não faça como um zulu!
— Civilizado só come
na Cantina Uirapuru!...
não faça como um zulu!
— Civilizado só come
na Cantina Uirapuru!...
Em 1969, na cidade mineira de Juiz de Fora, quando do encerramento de um concurso de trovas promovido pelo Lions Clube local, estiveram presentes duas grandes poetisas portuguesas; Maria Helena e Maria Amélia Novais.
No banquete oferecido aos trovadores, Elton Carvalho, que é um excepcional "fazedor" de trovas de circunstância, sentou-se entre as duas referidas poetisas. Lá pelas tantas, dirigindo-se aos demais trovadores, que se haviam localizado na outra extremidade da mesa, saiu-se com esta belíssima trova, onde há uma oportuna alusão ao rio Tejo, que banha a capital portuguesa:
Amigos, não os invejo,
tão distantes, isolados:
– estou feliz como o Tejo,
com Portugal dos dois lados.
tão distantes, isolados:
– estou feliz como o Tejo,
com Portugal dos dois lados.
O Andrade, Desembargador Dr. Luís Antônio de uma das maiores culturas jurídicas de nosso país, certa vez ofertou ao poeta Manuel José Lamas um exemplar de nossa coletânea “Trovadores do Brasil" dedicando-o com esta trova de circunstância, cujo último verso é o seu próprio nome, um setissílabo perfeito:
Ai vão, meu caro Lamas,
como prova de amizade,
as trovas que tanto amas!
Luis Antônio de Andrade.
como prova de amizade,
as trovas que tanto amas!
Luis Antônio de Andrade.
Eis uma trova de circunstância laudatória, feita por Inês Gaspar Palácio, homenageando a cidade de Maringá/ PR:
Maringá! Quanta esperança
se contempla em teu caminho,
pois teu lema é segurança,
trabalho, fé e carinho!
se contempla em teu caminho,
pois teu lema é segurança,
trabalho, fé e carinho!
O poeta Ary de Andrade refere-se a um esperto motorista de caminhão que, ao longo das estradas, "aplicava" sempre esta trova, a qual servia tanto para comover os credores como para as suas conquistas amorosas de Romeu perambulante:
Você não tem coração!
Se tivesse, não faria
que um chofer sem um tostão
vivesse nesta agonia!
Se tivesse, não faria
que um chofer sem um tostão
vivesse nesta agonia!
Uma das mais conhecidas trovas deste que escreve estas linhas é a seguinte:
Parti do Norte chorando!
Que coisa triste, meu Deus!...
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!
Que coisa triste, meu Deus!...
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!
Em 1968, após uma ausência de vários anos, voltamos ao Rio Grande do Norte, em gozo de férias. O poeta José Amaral, parodiando a nossa quadrinha, na homenagem que nos foi prestada pela Academia de Trovas do Rio Grande do Norte, recebeu-nos com esta linda trova de circunstância:
Voltaste ao Norte sorrindo,
nós te abraçamos cantando;
— o coqueiral te aplaudindo,
o verde mar te beijando.
nós te abraçamos cantando;
— o coqueiral te aplaudindo,
o verde mar te beijando.
Exemplo da vivacidade dos trovadores sucedeu quando Hebe Camargo entrevistou Anis Murad e Zálkind Piatigorsky, em seu programa na televisão, cujo nome era "O Mundo é das Mulheres". Anis foi cavalheiresco, saudando Hebe desta forma:
Terás, mulher, se quiseres,
o mundo inteiro a teus pés,
porque o mundo é das mulheres
que forem como tu és,
o mundo inteiro a teus pés,
porque o mundo é das mulheres
que forem como tu és,
Lisonjeada, Hebe voltou-se para Zálkind, indagando: "Você também concorda que o mundo é das mulheres?", ao que Piatigorsky rebateu na hora:
Seja, pois, como quiseres,
que dá certo, felizmente:
- este mundo é das mulheres
.. .e as mulheres são da gente!
que dá certo, felizmente:
- este mundo é das mulheres
.. .e as mulheres são da gente!
No ano seguinte, houve o 1.° Encontro Nacional de Trovadores, realizado ainda na cidade de Natal, O general Umberto Peregrino, então diretor do Instituto Nacional do Livro, convidou alguns dos trovadores visitantes para almoçarem na famosa "Carne Assada do Marinho". Tão gostosa se prenunciava a carne e tão grande era o apetite, que o silêncio reinou na faminta expectativa.
Considerando que a poetisa Magdalena Léa não é muito dada a estes silêncios, improvisei esta quadrinha:
Inacreditável cena!
Diante da carne assada,
até mesmo a Magdalena
resolveu ficar calada!...
Diante da carne assada,
até mesmo a Magdalena
resolveu ficar calada!...
Certa vez deparamo-nos aqui no Rio com um mendigo que pedia esmola declamando esta quadrinha:
Ajude este aleijadinho,
mais tem Deus para lhe dar.
Mesmo que seja pouquinho,
eu não posso recusar.
mais tem Deus para lhe dar.
Mesmo que seja pouquinho,
eu não posso recusar.
Perguntamos-lhe se o expediente dava resultado e ele respondeu que sim, mesmo porque tinha "bolado" vários outros versinhos para substituição, quando a trova declamada não estivesse rendendo o esperado. Por solidariedade de classe, demos uma esmola melhorada ao "confrade" mendigo, prometendo que o seu nome — Lourival de Jesus Gonçalves — figuraria em nosso livro.
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continua...
Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de
Janeiro/GB: Artenova, 1972
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