quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

José de Ávila (1904 -????)


Ah! estou muito mudado.
Bem diferente me vejo.
Já pequei por atacado
e agora, peco a varejo. 

A mulher manda, pedindo.
Ovelha fera de brava,
a si mesmo até, mentindo,
diz que não passa de escrava.

A mulher não é de graça.
Abusa pra ver! Depois,
não te queixes, que ela passa
o carro à frente dos bois.

Ante a manhã, não me engano
– falo para meu contento –
Deus é poeta parnasiano
de incomparável talento.

Ao lhe contar meu segredo,
mesmo só pela metade,
o nosso amor de brinquedo
virou amor de verdade.

A sua mão estendida,
apertei de olhos em pranto.
Nunca adeus de despedida
dei a alguém que doesse tanto.

A tarde em flor se anuncia.
Silêncio. Paz. Hora santa!
Despedindo-se do dia
sabiá saudoso – canta.

Bem contra a minha vontade,
vento da recordação,
pões o moinho da saudade
a moer meu coração.

Botão-de-rosa vermelho
que do jardim fulge a um canto!
Diante de ti, eu me ajoelho
embriagado de encanto.

Conversas rindo e brincando
e, em tua voz, eu descubro
os passarinhos cantando
nas madrugadas de outubro.

Ela se foi. Falo franco:
chorei lágrimas de dor,
tantas que meu lenço branco
nunca mais voltou à cor.

Ela voltou. Da saudade
cessou a dor que eu sentia.
Chorei de felicidade,
quase morri de alegria!

É pelo amor que me atrevo
a tudo. Sem covardia
faço mesmo o que não devo
e até mais do que devia.

Esperança: meu encanto!
Neste nosso mundo louco,
por que me prometes tanto,
e, depois, me dás tão pouco?...

Esta manhã deslumbrante
é doce beijo de amor
que Deus dá, do céu distante,
na face da terra em flor.

Eu conheço como poucos,
este mundo também, meu.
é mesmo, mais dos loucos,
se não for, louco sou eu.

Exibindo tua graça,
sorri e canta, menina,
que a vida é sonho que passa,
pois – mal começa – termina.

Juro que em Deus acredito
até mesmo, assim – sem crer.
Em tudo que acho bonito,
nunca me canso de  O ver.

Fã da flor, feliz, festejo
esta rosa e me convém
apanhá-la, dar-lhe um beijo
e levá-la pra meu bem.

Feito cego sem ter guia,
sem que soubesse meu santo,
perdi-me na pradaria
florida de teu encanto.

Juro, amor, que não me iludo
ao dizer que tu és, sim,
o sal e o doce de tudo
neste mundo, para mim.

Meu galo músico canta
cantiga de saudação
à aurora – bonita santa
no altar azul da amplidão.

Muitos casais são palhaços
que fazem rir os presentes,
indo de beijos e abraços,
a coices, unhas e dentes.

Na casa de um capixaba
se a gente chega sem pressa,
a pressa logo se acaba
quando a conversa começa.

Não me consolem. Que o pranto
cristalino e superior
cumpra seu trabalho santo
de aliviar a minha dor.

Nêga-fulô de magia,
com a candeia da lua,
risonha, a noite alumia
os namorados na rua.

O homem sem a mulher,
sem cabeça é corpo. Moço,
sozinho, o que ele fizer,
vira um angu de caroço.

Ouvir-te, que coisa grata!
Falas e a gente se encanta.
Terás um sino de prata
na catedral da garganta?

Pela mão do Onipotente
generoso protegida,
na magia da semente
se oculta, dormindo, a vida!

Por te querer, com certeza,
culpa não tenho, menina.
Culpa tem tua beleza
que me escraviza e fascina.

Prezo, estimo, considero
o amor a mais não poder,
mas amor sem ser sincero
é bem melhor não se ter.

Quando namoro uma rosa
ou vejo mulher bonita,
uma paixão tormentosa,
inteiramente, me agita.

Quando viro pensador
e me perco descuidado,
no universo de uma flor,
me sinto maravilhado.

Quem ama, de si faz trigo.
Luta e vence; em Deus – confia;
sem medo enfrenta o perigo
e sofre com alegria.

Que manhã! Das mais formosas…
O céu na infância do dia,
parece que chove rosas,
chovendo luz e harmonia.

Quem diz adeus e ao partir
fica em saudade e lembrança,
devia mesmo não ir
sem nos levar na mudança.

Risonha, a Aurora se agita.
Róseos tons a luz lhe empresta.
Parece moça bonita
chegando alegre da festa.

Santo remédio é o pranto.
Tem o divino condão
de abrandar o desencanto
e as dores do coração.

Se meu coração te apoia
em tudo mesmo, querida,
é porque tu és a joia
que melhor me enfeita a vida.

Senhor Deus, devo saber
o meu destino cumprir.
Que eu faça por merecer,
para ganhar sem pedir.

Sou onda que vai, tangida,
da escura profundidade
do mar inquieto da vida
à praia da eternidade...

Tudo passa tão depressa:
sonho, amor, felicidade
e mal se acaba, começa
o tempo em flor da saudade.

Usa e abusa de agrado
a seu querido a mulher.
Vai chovendo no molhado
e alcança tudo o que quer.

Vai silencioso, em segredo,
o tempo, sem descansar,
cuidando do seu brinquedo
de fazer e desmanchar...

Vivo a vida em sonho imerso.
Tenho amor à fantasia.
Sou operário do verso
e lavrador da poesia.

Vivo vivendo de sonho,
quando te vejo sorrindo.
Sonho acordado e suponho
que estou sonhando – dormindo.

Vou te vigiar, não sou bobo,
o bom-senso me aconselha.
Quem melhor guarda do lobo
se não eu a minha ovelha?

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