1
A bengala da ousadia
que um cego leva na mão,
é a luz que Deus irradia
em seus olhos sem visão.
2
A ganância desmedida
leva ao fracasso que dói...
Feliz quem sabe que a vida
é um prêmio que se constrói.
3
Amizade…A segurança
que invade o meu coração,
ao ver a mão da esperança
segurando a minha mão!
4
Amizade… Exaltação
de um sentimento perfeito,
que me traz a sensação
de que Deus mora em meu peito!
5
Anoitece…a lua espia
A varanda em soledade,
E banha a rede vazia
Em seu clarão de saudade.
6
A queimada em tempo breve
apagando a luz do dia,
anula o que Deus escreve
no livro da ecologia!
7
A queimada que se alastra
na floresta, pressagia
a queda de uma pilastra
no templo da ecologia.
8
As espadas da descrença
não ferem meu coração,
nem há presságio que vença
o poder de uma oração.
9
Ausente o rei da seresta
chora a Vila pesarosa…
Mas Deus recebe com festa
o seu filho, Noel Rosa!
10
A vida é um barco divino
tendo ao leme, a mocidade…
Porém, no ocaso, o destino
me leva ao cais da saudade!
11
Brincando, o vento travesso
pelas areias se espraia,
enquanto muda o endereço
das brancas dunas da praia!
12
Desse bilhete velhinho
o passado não se apaga;
onde falta um pedacinho,
a saudade cobre a vaga...
13
Em meu rosto, de mansinho
a mão da terceira idade,
traça o mapa de um caminho
onde trafega a saudade.
14
Em nossa humilde morada
se há pouco pão sobre a mesa,
a ternura partilhada
compensa qualquer pobreza.
15
Envelhecido e tristonho,
tão longe da mocidade,
bebo na taça do sonho
o conhaque da saudade.
16
Há na queimada que enlaça
a floresta em fogaréu,
escura nuvem que embaça
os olhos azuis do céu.
17
Lampadário de bonança,
luzente, formoso e terno,
nada supera a esperança
que existe no olhar materno!
18
Mesmo numa noite triste
quando meu mar se encapela,
minha canoa resiste:
é que Deus vai dentro dela.
19
Na festa plena de encanto
um brinde, um beijo, um anel...
E em vez de sal, no meu pranto
impera o gosto do mel!
20
Na incerteza da jornada
que a vida me faz seguir,
nem mesmo de madrugada
vejo a saudade dormir!
21
Na mesma rua onde os nobres
desfilam pompa e capricho,
se encontram crianças pobres
entre montanhas de lixo.
22
Não chorei na despedida...
Sempre fui ousado e forte;
se a morte é maior que a vida,
o amor é maior que a morte.
23
Na rua, o guri sem nome
que, da miséria, é refém,
sempre encontra o medo e a fome
mas a justiça não vem.
24
Nem mesmo o sol nos desperta
do feitiço sem pudor,
que nos envolve e acoberta
nas madrugadas de amor!
25
No morro, quanta criança
vive feliz, sem cautela;
Deus também planta esperança
na miséria da favela.
26
No olhar de qualquer criança
residente na favela,
sempre existe uma esperança
partilhada à luz de vela.
27
No sertão pobre e carente
chuva é a mão que Deus descerra
e apaga a fogueira ardente
que queima a face da terra.
28
Numa lágrima salgada
eis a vida resumida;
nas emoções da chegada
e nas dores da partida!
29
O frio invade a palhoça
e da face do espantalho,
que vigia a minha roça
descem lágrimas de orvalho.
30
O mar num longo suspiro
inveja a serenidade
da brisa que faz seu giro
pelas dunas da saudade.
31
O tempo da mocidade
passa em constante corrida,
e depois chega a saudade
no ensaio da despedida.
32
Para a criança sem nome,
a calçada, à luz da lua,
é o cativeiro da fome
na liberdade da rua!
33
Pela potência de um grito
ninguém conquista a bonança...
Maior que um protesto aflito
é o silêncio da esperança.
34
Pobre guri que, na rua,
faz seu tristonho pernoite,
mastigando a fome crua
no prato escuro da noite.
35
Quando, à cafifa se entrega
e,com ela, corre ao léu,
alegre, o gurí, carrega
seu pedacinho de céu!
36
Quando a miséria se expressa
em mão tímida que implora,
qualquer pão se faz promessa
que enxuga um olhar que chora...
37
Quando cessa a tempestade,
resta a estrofe derradeira
da seresta da saudade
no compasso da goteira.
38
Quando o medo me deprime,
uma esperança bem forte
entra em meu peito e reprime
os maus presságios da sorte.
39
Quando rezas em surdina
mãe, vejo nos olhos teus,
a inspiração que ilumina
tua conversa com Deus!
40
Quando uma estrela se apaga
no céu de róseo porvir,
um novo sonho me afaga
e o dia acorda a sorrir!
41
Quanta miséria contida
no olhar tímido e tristonho
de uma criança perdida
entre farrapos de sonho...
42
Quanto mais cresce a ambição
sem cautela, em mãos de ateus,
mais vejo o mundo sem pão
e a humanidade sem Deus.
43
Regeu a banda o Divino
mas agora, aposentado,
seu famoso bombardino
já se encontra enferrujado !
44
Se a mão da treva se estende
em meu caminho e me alcança,
na chama que Deus me acende
conquisto nova esperança.
45
Sem teu amor que me exalta
o sol nem mesmo reluz!…
e eu percebo em tua falta
que falta faz tua luz !
46
Se o teu rosto, Pai, confessa
o cansaço das jornadas,
quanta ternura se expressa
em tuas mãos calejadas!
47
Toda noite, espero, aflito
que ela volte…E na ansiedade,
vejo, mirando o infinito,
o infinito da saudade.
48
Um cego tem seus segredos
e viver não o intimida:
faz, pela ponta dos dedos,
a descoberta da vida.
49
Um pão nas horas de fome
e um teto nas noites frias,
para as crianças sem nome
são apenas utopias.
50
Viver na rua é proeza
que um pivete aprende cedo,
pois nas trevas da pobreza
a fome é maior que o medo.
51
Volta do samba invocado
e a sua mulher reclama:
- Nem vendo o meu rebolado
o Juca despe o pijama!
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