sábado, 1 de maio de 2021

J. G. de Araújo Jorge (1914 - 1987) (2)


Ah, quando escuto teus passos
meu coração se acelera,
que um só minuto em teus braços
compensa a angústia da espera!

Ah, trova com quem me enleio...
- Tens um gingado qualquer
Que lembra esse bamboleio
Do corpo de uma mulher...

Amor que tudo promete,
falso amor das Colombinas:
-juras e beijos: confete!
Abraços - de serpentinas!

Ao ler uma bela trova
depois que pronta ficou,
- quem calcula a dura prova
por que o poeta passou ?

A poesia que desejo
tiro de mim como aquela
cantiga do realejo
se alguém roda a manivela...

Às vezes penso que a vida
que há tanta gente a querer
só existe, - indefinida -
pra gente poder morrer...

A todos prende e cativa,
E não se rende a qualquer...
- É pequena, mas esquiva...
... Não fosse a trova, mulher...

A Vida - ansiosa escalada
sobre a paisagem do mundo
Tanto esforço para nada
se há sempre abismo no fundo!

A Vida, - mistério vão
sombra agora, depois luz,
- estranho traço de união
ligando um berço... a uma cuz!

A Vida - uma onda que avança
e volta, vai-vem do mar...
Quando vai, quanta esperança!
Quanta amargura, ao voltar!

A Vida - visão fugaz,
praia chã, mar que alteia,
onda que faz e desfaz
os seus cabelos de areia...

Cão de guarda, ameaçador,
a rosnar, furioso e cego
eis afinal, meu amor,
este ciúme que carrego...

Coração – pobre realejo –
com canções velhas e novas...
Tudo o que sinto, e o que vejo,
vais tocando.. . em minhas trovas...

- "Crê na Vida"- eis o conselho
da esperança ante a desgraça,
se a face do fria do espelho
de calor ainda se embaça...

Diz que é rico... Pode ser...
Mas pode ser que não seja...
Ser rico é apenas poder
fazer o que se deseja...

Do amor e da desconfiança
infeliz casal sem lar,
nasceu o ciúme, - essa criança
tão difícil de educar...

"Dosado", o ciúme é tempero
que à afeição da mais sabor...
Mas, levado ao exagero,
é o pior veneno do amor...

E eis a suprema ironia
ao meu coração ferido:
- tu foste trair-me um dia,
mas, com quem? - com teu marido...

Eis a arte de viver
num conselho dos mais sábios:
às vezes, para vencer
basta um sorriso nos lábios...

Eis como o ciúme defino:
mal que faz mal sem alarde
corte de alma, muito fino,
que não se vê... mas como arde!

Esperava tanta luta
e tão pouco foi preciso:
ao invés da força bruta
ele empregou... um sorriso...

Fantasia eu próprio sou
e há um contraste dentro em mim:
- carrego um velho Pierrot
num atrevido Arlequim!

Gota d'água transparente
que brilha, cresce...e que cai!
Assim a vida da gente
que num instante se vai!

Há uma ironia, contida
nas contigências da sorte:
- quanto mais se vive a vida
mais se avança para a morte.

Livre da dor, do desgosto,
mais feliz o homem seria
se assim como lava o rosto
lavasse a alma todo o dia.

“Matar saudades”, querida
é uma expressão, simplesmente,
pois, em verdade, na vida,
saudade é que mata a gente.

Meu terço feito de trovas
Que em versos fico a compor,
Com ele rezo, e dou provas
Do meu culto ao teu amor!

Moeda de estranho valor
que o coração faz cunhar:
quanto mais se gasta o amor,
mais se tem para gastar!

Não tinha paz nem descanso...
O amor... a vida.... – Voragem !
Hoje, a saudade é um remanso
a refletir a folhagem...

Nem tanta coisa é preciso
para evitar-se um revés...
- Tão pouco... basta um sorriso
e eis todo mundo a teus pés...

Nessa eterna e dura lida
renasço a cada momento
lavando as dores da vida
no rio do esquecimento...

Nesse jardim de surpresas,
que foi o amor que me deste,
as violetas são tristezas,
minha saudade, um cipreste.

No meu carro vou tranquilo,
tenha a estrada sombra ou luz,
pois bem sei que, ao dirigi-lo,
eu dirijo... Deus conduz!...

Numa amizade perdida,
num amor que se desgraça,
a morte desconta a vida
a cada dia que passa!

O ciúme, desajustado,
por louco amor concebido,
era uma amante, (coitado)
a padecer... de marido!"

Onde o sonhar de outra idade?
A fé que tive, e perdi?
Hoje chego a ter saudade
daquele... que já morri...

Ó pobre vida suicida!
Teu destino é uma ironia
se o que chamamos de vida
é um morrer de cada dia!

Paro, as vezes, num momento
feliz, que se vai embora,
e enquanto o vivo, a perde-lo,
sinto saudades... de agora.

Perigoso, onipotente,
verdadeiro ditador...
o ciúme é um cego, doente,
ou um doente, cego de amor?

Pobre alma triste a cativa !
E há quanta gente como eu
a pensar que ainda está viva
sem saber que já morreu.

Poesia, flor de mistério
que brota do coração
e abre as pétalas de etéreo
no céu da imaginação.

Por certo a pior solidão
É aquela que a gente sente
Sem ninguém no coração...
No meio de muita gente...

Por duas Marias erra
meu viver de déu em déu:
- a que me perde, na terra,
- a que me me salva, no céu.

Praias longe, em solidão
Fora de todas as rotas,
Tal como o meu coração
Só como o sonho... das gaivotas...

Que eu não tenho coração
não és tu, sou eu que digo...
-Como hei de ter coração
se tu o levas contigo?

Rico eu sou, mesmo sem ouro
E da riqueza, dou provas,
- eis aqui o meu tesouro:
Minha sacola de trovas.

Rosas tolas, tão vaidosas,
que em belas hastes vicejam...
Vem, amor, olha estas rosas,
quero que as rosas te vejam!

Saudade, - estranha ilusão,
que a solidão recompensa,
presença no coração
maior que a própria presença...

Sejam felizes ou não
Cantando instantes diversos,
As trovas do coração,
são trevos de quatro versos.

Tão simples, as trovas são
Cantigas com que a alma expande
Tudo o que há no coração
Do poeta - um menino Grande.

Tudo é trova: a flor, a onda,
A nuvem que passa ao léu
E a lua, trova redonda
Que a noite canta no céu!

Tu queres mais, sempre mais...
Sê comedido, prudente...
Até o bem quando é demais
acaba enjoando a gente...

Vi teu retrato, - revivo
um velho amor que foi meu...
A saudade é um negativo
de foto que se perdeu...

Vive a vida bem vivida
e ao mais, esquece e revela,
que a gente leva da vida
a vida que a gente leva...

Vivo a vida cada dia,
vida comum, sem engodos,
por isto a minha poesia
reflete a vida de todos

Você quer mesmo saber
como a vida se levar ?
Pois é... primeiro viver...
e depois... filosofar...

Vou pisando folhas mortas
sem amanhã... Sigo a esmo...
Fecham-se todas as portas...
Sou o fantasma de mim mesmo...

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