sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Aloisio Bezerra (Massapê/CE, 1925 - ????)

1
Acorda, logo, Alencar,
não faças tanto ruído!
Esqueceste de tomar,
pra dormir, teu comprimido!...
2
Ante insucessos de partos,
da mãe preta há gestos nobres
em ceder seus seios fartos
a órfãos que não são pobres!
3
- Ao andar, sinto cansaço.
Que me aconselha, doutor?
- Nenhum remédio lhe passo,
só tome um táxi, senhor!
4
Ao fone da Previdência
responde o "boy', que é modesto:
- Não mais trabalha, Excelência,
aqui, ninguém por Honesto!...
5
A tragédia em profusão,
vai matando em tom profundo:
- É Deus chamando a atenção
dos pecadores do mundo!
6
Cada vez que és malcriada,
fica branco o meu cocó!
- Mãe, como foste danada:
repara as cãs da vovó!...
7
Carro-de-bois, és toada
cadenciada e sem fim;
enquanto gemes na estrada,
mais geme a saudade em mim!
8
Cem anos de lucidez
fez vovô, e sem canseira,
pois o velho, todo mês,
corre atrás da cozinheira!...
9
Com uma frase, somente,
eu tento a fé descrever:
a fé, resumidamente,
é acreditar sem se ver!
10
Contra a constante injustiça,
que a maldade, às claras, solta,
lanço aos donos da cobiça
o meu clamor de revolta.
11
Depois de preso à corrente
dos seus braços, que ironia!
Ela me deu, finalmente,
um alvará de alforria!
12
Depois de tanto fracasso
que nesta vida sofri,
me transformei em palhaço,
um palhaço que não ri!
13
De que vale ter diamantes,
joia aos montões, ser incréu,
se, em libertinos instantes,
chegar a perder o Céu?
14
Diante da mãe barriguda,
o garoto olha assustado:
- É barriga d'água, Arruda.
- E o nenê morre afogado?...
15
Diz-nos, Deus, basta de guerra,
quando, alegrando aos mortais,
descerá, por sobre a terra,
a pomba branca da paz?
16
Em cada dia primeiro,
pese o seu filho, senhor.
Logo retruca o açougueiro:
- Com ou sem ossos, doutor?
17
Essas constantes matanças,
o roubo e a imoralidade
navegam nas águas mansas
e negras da impunidade!
18
Eu vejo um mundo safado,
sem fé, sem paz, em meu pranto,
só rejeitando, aloucado,
o que é de Deus, o que é santo!
19
Feito o mundo, Deus projeta
de logo um duplo desejo:
deu a saudade ao Poeta
e a tristeza ao sertanejo!
20
Felicidade - eu diria,
através da sutileza,
é uma fração de alegria
entre inteiros de tristeza!
21
Inda veremos nas liças,
outros horrores insanos,
por causa das injustiças
e dos delitos humanos!
22
Meu amor é tão perfeito,
que sempre ao ver-te, menina,
escuto, dentro do peito,
um carrilhão em surdina!...
23
Meu troféu é mais que prata,
mais que o mais fino brilhante;
ele, deveras, retrata
minha trova - o meu diamante!
24
- Meu viver é turbulento,
queixando-se, diz Seu Paiva:
- Neste ano não tive aumento,
é "roxo" o meu, mas... de raiva!
25
Minhas rugas, meus cansaços
e esses cabelos tão brancos
vão responder por meus passos,
entre trancos e barrancos!
26
Nada cobiço, querida,
sou venturoso, porque,
se tenho sorte na vida,
a minha sorte é você!...
27
Neste vale de pecado,
o pendor para o perdão
só pode ser conquistado
sob o poder da oração!
28
Nossos momentos, quem vê,
os vê felizes, querida:
eu descobri com você
o doce encanto da vida!
29
O mundo gira, lascivo,
com todos os vícios seus,
violento, injusto, opressivo,
porque distante de Deus!
30
- O que é bígamo, papai?
Me venha então explicar.
- Um imprudente que vai
por duas vezes errar.
31
O saber, o mais profundo,
a fama e a riqueza até,
não os troco neste mundo
pelo dom da minha fé!
32
Para que reine a harmonia
neste mundo de profanos,
urge que vença a alforria
e os tais direitos humanos.
33
Por ser um cara safado,
conquistador de má fama,
veio a morrer o tarado
de um espirro sob a cama!
34
- Que burrada! Que burrada!
- Já sei! Não vá repetindo!
- Não sou eu, meu camarada,
é o eco que está saindo!...
35
- Tal qual meu pai, ao crescer,
bom dinheiro vou ganhar!
- Tal qual mamãe, podes crer,
vou, tão somente, gastar!
36
Tua beleza era tanta,
tua oração tão ardente,
que em vez de fitar a santa,
eu te fitava somente!
37
Uma casinha singela
e um chameguinho, o melhor,
de um casal a viver nela...
- Para que sorte maior?
38
Um leito fofo e adornado
de cetim, brocado e flor,
de carícias abrasado,
foi palco do nosso amor!...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...