1
A pandorga colorida,
recriando encantamentos,
toca a sonata da vida
na partitura dos ventos.
2
A saudade é luz de vela
iluminando o que eu sou:
descolorida aquarela
que uma renúncia pintou.
3
Cada rio poluído
é uma mensagem de morte,
onde o mundo sem sentido
vai selando a própria sorte!
4
Cada vez o dia-a-dia
faz os dias mais tristonhos,
quando a gente silencia
e sufoca os próprios sonhos…
5
Dos exílios, um existe,
que é pior pois não desterra,
mas faz do exilado um triste
vivendo na própria terra…
6
Eu confesso, estou cansada,
cansada deste brinquedo:
- ser espuma apaixonada
pela sombra de um rochedo...
7
Eu perdi meu coração
entre fantasmas e medos,
no exílio da solidão
de uma infância sem brinquedos..
8
Foste um sonho em meu passado,
e o meu erro mais tristonho
foi deixar de ter lutado
para arrancar-te do sonho…
9
Há nos chás de caridade
muito fausto e ostentação,
e nas ruas da cidade,
crianças sem proteção.
10
Há sempre um circo vazio
e um vazio de esperança,
no coração triste e frio
de quem nunca foi criança…
11
Leva contigo, menino,
este amor dos teus brinquedos,
onde és "rei" e o teu destino
é vencer todos os medos…
12
Mãe preta, meu doce encanto,
que saudade sinto agora,
da tua voz no acalanto
que mandava o medo embora!
13
Meu palhacinho de pano,
quantas vezes te surrei!
Hoje a vida e o desengano
dão-me as surras que eu te dei!
14
Meus ideais em pedaços,
pela vida, destruídos,
foram tristonhos palhaços
de sorrisos não sorridos.
15
Meus sonhos foram ingratos
e sou, de tudo o que resta,
Cinderela sem sapatos,
sem fantasia, sem festa…
16
Minha infância recomponho
nos passos de meu filhinho,
que, refazendo o meu sonho,
também refaz meu caminho!…
17
Na solidão do meu peito,
velho jardim sem amor,
a saudade tem um jeito
de renúncia que deu flor…
18
No infinito o sol flutua
qual rubro barco pirata,
tentando roubar da lua
a sua carga de prata!
19
Nos barquinhos de papel
fui "marinheiro-esperança";
hoje, corsário infiel,
roubo os barcos da lembrança…
20
Nossas ruas de criança
a tão longe nos levavam,
que nem o infinito alcança
o infinito que alcançavam...
21
Numa estranha semelhança
com a caixa de Pandora,
vivo apenas de Esperança,
porque o Sonho foi embora.
22
Olho o mundo... me envergonho
e me tortura dizê-lo:
- hoje a liberdade é um sonho
transformado em pesadelo…
23
O mensageiro fiel
dos sonhos da meninada
é um barquinho de papel
correndo junto à calçada…
24
O meu amor sobrevive
nesta saudade sentida:
o "quase nada' que eu tive
foi "quase tudo" na vida!
25
O que sobra do meu dia,
mal cabe num prato raso:
migalhas de fantasia
que me alimentam no ocaso!
26
Papai Noel, não entendo
o teu serviço postal:
tantas cartas se perdendo!...
Tantos pobres sem Natal!...
27
Pelos caminhos, cansada,
minha esperança perdida,
encontra a porta fechada
no fim da Rua da Vida…
28
Por ser poeta acredito
em dias menos sombrios...
Meu sonho quase infinito
cabe em meus bolsos vazios.
29
Por todo lado cercada
de gente que nem me vê,
eu sou a sombra do nada
que me restou de você.
30
Quando a luz que enche os espaços
espanta a noite do adeus,
vejo a sombra dos meus passos
seguindo a sombra dos teus…
31
Quando às vezes abro a porta
que a renúncia traz fechada,
tua ausência se recorta
na silhueta do nada...
32
Retratando o que hoje somos,
vejo agora que restou
do quase dois que nós fomos
o quase nada que eu sou.
33
Saudade, circo às escuras,
onde um palhaço, a ilusão,
faz trejeitos e mesuras
para o nada e a solidão…
34
Se a vida foi mal vivida,
ao chegar ao fim da estrada
quem foi um 'quase" na vida
é, na morte, um "quase nada"!
35
Separadas as metades,
a realidade provou
que somos as “inverdades”
que uma esperança inventou...
36
Sobre a mesa, a lamparina.
No bercinho, uma criança.
E a luz suave ilumina
a mensagem de esperança!
37
Tão pertinho do infinito
mas, prisioneira do morro,
a favela é quase um grito,
que pede ao mundo: - Socorro!
38
Vão desfilando os Farrapos
ante o Pacificador;
por fora, as roupas em trapos,
por dentro, inteiro, o valor!
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