1
A arte se torna plena,
quando o ator, um menestrel,
coloca a verdade em cena
e encena o próprio papel.
2
A imensidão é por certo,
uma questão de lugar:
descobri que era um deserto
o que pensei que era um mar...
3
Cedo demais minha cãs
brotam em brumas de outono:
são as mudas temporãs
das sementes do abandono.
4
No buteco do Zé Galo
tanto a sujeira se agrupa,
que servem bife à cavalo,
com mosquito na garupa!
5
O meu Deus sempre despreza
quem na hora consagrada,
pede tudo enquanto reza,
mas não precisa de nada!
6
Para fugir do cansaço,
ensinou-me um velho monge,
que uma pausa a cada passo,
sempre nos leva mais longe!
7
Quando a paixão foge à norma,
a razão com maestria
rege a orquestra que transforma
nosso amor em sinfonia.
8
Quando tu cobres teu rosto
com este véu de tristeza,
vivo a impressão de um sol posto
numa tarde sem beleza.
9
Se a saudade me consome
e alimenta a minha dor,
lembrando apenas teu nome
eu mato a fome de amor!
10
Sempre o povo impõe seu veto,
quando a cegueira de um rei
cria trevas por decreto
e apaga as luzes da lei!
11
Seremos grandes e plenos,
se a equidade for premissa
e dermos, mesmo aos pequenos,
um pleno acesso à justiça.
12
Vejo a varanda sem rede...
Silêncio no casarão
e os retratos na parede
parecem vivos... não são...
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AS TROVAS DE MESSIAS DA ROCHA EM PRETO E BRANCO
por José Feldman
As trovas de Messias da Rocha são uma bela expressão poética, capturando temas como a busca pela verdade, a efemeridade da vida, e a condição humana.
AS TROVAS UMA A UMA
1. A arte se torna plena...
A primeira trova aborda a relação entre arte e autenticidade. O ator, como menestrel, não apenas representa personagens, mas também expressa verdades pessoais. Isso sugere que a arte pode ser um reflexo da vida interior, onde a sinceridade é fundamental.
2. A imensidão é por certo...
Aqui, a imagem do deserto versus o mar simboliza a desilusão. O "deserto" representa solidão e aridez emocional, enquanto o "mar" poderia ser visto como esperança e abundância. A revelação da realidade muitas vezes é dolorosa, mostrando que nossas percepções podem estar repletas de ilusões.
3. Cedo demais minha cãs...
Essa trova reflete a inevitabilidade do envelhecimento e a perda de sonhos. As "brumas de outono" evocam a passagem do tempo, enquanto as "sementes do abandono" sugerem que as esperanças não realizadas podem germinar em tristeza. O uso de metáforas naturais reforça a conexão entre vida, crescimento e perda.
4. No buteco do Zé Galo...
Com uma abordagem humorística, essa trova critica a realidade social e as condições de vida. O "bife à cavalo" com "mosquito na garupa" representa a combinação de pobreza e descaso. O ambiente do buteco, sujo e caótico, também reflete a desumanização em contextos cotidianos.
5. O meu Deus sempre despreza...
Aqui, a relação entre fé e intenção é explorada. A crítica se dirige àqueles que pedem tudo sem reconhecer suas próprias carências. Esta trova sugere que a verdadeira espiritualidade envolve humildade e autoconhecimento.
6. Para fugir do cansaço...
A sabedoria do velho monge ensina sobre a importância da pausa. A ideia de que "uma pausa a cada passo" pode levar mais longe sugere que o descanso e a reflexão são essenciais para a jornada da vida. Esse ensinamento é uma crítica à pressa da sociedade contemporânea.
7. Quando a paixão foge à norma...
Essa trova aborda a complexidade do amor, onde a paixão desafia a lógica. A "orquestra que transforma" sugere que o amor, quando autêntico, cria uma harmonia única, capaz de transcender a razão. É uma celebração da intensidade emocional.
8. Quando tu cobres teu rosto...
A imagem do "véu de tristeza" evoca a vulnerabilidade emocional. O contraste entre o "sol posto" e a "tarde sem beleza" sugere uma luta interna entre esperança e desespero. Essa dualidade reflete a experiência humana de encontrar beleza mesmo em momentos difíceis.
9. Se a saudade me consome...
Essa trova explora a saudade como uma forma de sustento emocional. O ato de lembrar o nome do amado é uma forma de alimentar o desejo, mesmo na ausência. Essa relação entre dor e amor destaca a profundidade dos sentimentos humanos.
10. Sempre o povo impõe seu veto...
A décima destaca a resistência do povo frente à tirania. A "cegueira de um rei" simboliza a desconexão entre o poder e a realidade social. A escuridão criada pela opressão contrasta com a luz da justiça, enfatizando a importância da voz coletiva.
11. Seremos grandes e plenos...
Aqui, a busca pela equidade é central. A ideia de justiça acessível a todos, especialmente aos menos favorecidos, aponta para uma sociedade mais justa e inclusiva. Essa trova sugere que a grandeza de uma nação está em sua capacidade de tratar todos com dignidade.
12. Vejo a varanda sem rede...
A última trova evoca uma sensação de nostalgia e solidão. A "varanda sem rede" sugere um espaço de descanso que se tornou vazio. Os "retratos na parede" representam memórias que, embora presentes, são incapazes de trazer vida à solidão. Esta imagem finaliza com um tom melancólico, refletindo sobre o passado e a perda.
AS TEMÁTICAS DAS TROVAS DE MESSIAS DA ROCHA
1. A Arte e a Verdade
A busca pela verdade em suas trovas não é uma verdade universal, mas uma experiência subjetiva. Cada ator, cada artista, traz suas vivências e emoções para o palco da vida. Isso se reflete na forma como Messias aborda suas próprias experiências, usando metáforas que tocam em questões existenciais e sociais.
A relação entre arte e verdade também implica uma crítica à ilusão. Quando ele menciona a imensidão de um deserto que se pensava ser um mar, é uma metáfora poderosa para a desilusão. A arte, então, pode ser vista como uma forma de desvelar essas ilusões, ajudando o espectador a confrontar suas próprias percepções e a realidade ao seu redor.
A verdade na arte de Messias não é apenas intelectual, mas emocional. Ele busca provocar sentimentos profundos, levando o leitor ou ouvinte a uma jornada introspectiva. Ao fazer isso, a arte se torna um espelho que reflete não apenas a realidade externa, mas também a interna.
Este tema ressoa com Fernando Pessoa, que em sua obra muitas vezes examina a multiplicidade do eu e a busca pela verdade interior. Ambos os poetas valorizam a sinceridade na expressão artística.
2. Desilusão e Percepção do Mundo
A desilusão é tratada como uma experiência universal. Captura a essência da frustração humana ao perceber que as esperanças e sonhos podem ser ilusórios. Essa temática ressoa com a experiência de muitos, criando uma conexão emocional com o leitor.
A imagem do deserto em Messias dialoga com Cecília Meireles, que em "Romanceiro da Inconfidência" reflete sobre a solidão e a busca por significados em um mundo muitas vezes árido. A desilusão é um tema comum, onde a realidade se revela diferente das expectativas.
3. Passagem do Tempo e Nostalgia
A solidão é frequentemente explorada nas trovas, refletindo um sentimento de perda e saudade. A nostalgia por momentos passados e a busca por conexões significativas permeiam sua obra, revelando a fragilidade das relações humanas.
O envelhecimento e a saudade nas trovas lembram Carlos Drummond de Andrade, especialmente em poemas como "No Meio do Caminho", onde a passagem do tempo é inevitável. Ambos os poetas exploram a fragilidade da vida e a nostalgia como parte da experiência humana.
4. Cotidiano e Realidade Social
O trovador não hesita em criticar as injustiças sociais e a opressão. Suas trovas abordam a luta do povo e a resistência contra a tirania, destacando a importância da voz coletiva e da busca por equidade e justiça.
No buteco do Zé Galo, a crítica social de Messias se alinha com a obra de Adélia Prado, que frequentemente retrata a vida cotidiana e suas contradições. A ironia e o humor são usados para evidenciar as realidades duras da vida.
5. Espiritualidade e Humildade
A relação entre fé e intenção em Messias ecoa os escritos de Hilda Hilst, que explora a busca pela transcendência e pela verdade espiritual em sua poesia. Ambos questionam as convenções em busca de uma conexão mais profunda.
6. Amor e Passagem do Tempo
A inevitabilidade do envelhecimento e a passagem do tempo são temas que permeiam suas obras. Messias reflete sobre como o tempo molda nossas experiências e expectativas, levando à contemplação sobre a vida e suas transições.
A transformação do amor em sinfonia em Messias se relaciona com Vinícius de Moraes, especialmente em seus poemas sobre o amor, onde a paixão é exaltada e a música da vida é uma constante. A intensidade emocional é um tema comum.
7. Resistência e Justiça
A luta do povo contra a tirania nas trovas de Messias é um eco das obras de Castro Alves, que em suas poesias abolia a escravidão e clamava por justiça. A voz do povo e a luta por equidade são traços que conectam os dois poetas.
8. Memória e Solidão
A saudade e a solidão na última trova se conectam com a obra de Mário Quintana, que muitas vezes aborda a passagem do tempo e a melancolia. A memória é um tema recorrente, onde as lembranças se tornam simultaneamente fonte de dor e beleza.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As trovas de Messias da Rocha oferecem um tapete de temas que exploram a condição humana, a busca pela verdade, e a complexidade das emoções. Através de metáforas e imagens vívidas, o poeta convida à reflexão sobre a vida, o amor, a justiça e a passagem do tempo, fazendo com que as experiências individuais ressoem de maneira universal.
A relação entre arte e verdade nas trovas é complexa e multifacetada. Através da autenticidade, da crítica social e da busca pessoal, o poeta cria um espaço onde a arte se torna um meio poderoso de explorar e revelar verdades sobre a vida, a sociedade e a condição humana.
A busca por sentido e a reflexão sobre a espiritualidade são evidentes. Messias questiona convenções e busca uma conexão mais profunda com o divino, explorando a relação entre fé, dúvida e autoconhecimento.
A vida cotidiana é um cenário frequente nas trovas, onde Messias captura a beleza e a dureza do simples viver. Ele utiliza imagens do cotidiano para refletir sobre questões mais amplas, mostrando como as experiências comuns podem ser profundamente significativas.
Através de uma linguagem acessível e de metáforas poderosas, Messias transforma suas vivências e observações em um diálogo contínuo com o mundo. Suas trovas revelam a fragilidade da esperança diante da realidade, mostrando como as ilusões podem ser tanto um refúgio quanto uma fonte de dor. Essa dualidade é central em sua obra e ressoa na experiência humana, onde a busca por verdades autênticas é frequentemente marcada por desenganos.
Além disso, a crítica social presente em suas trovas não se limita a uma mera descrição das injustiças; ela é um chamado à ação, uma incitação à consciência coletiva. Messias se posiciona como um cronista da vida cotidiana, utilizando seu talento para dar voz aos marginalizados e para questionar as estruturas de poder. Essa abordagem confere às suas trovas uma relevância atemporal, instigando o leitor a refletir sobre seu próprio papel na sociedade.
A espiritualidade, entrelaçada nas suas reflexões, sugere uma busca por conexão e transcendência, evidenciando a luta interna entre fé e dúvida. Essa tensão permeia suas obras, criando um espaço onde a arte se torna um veículo de autodescoberta e de compreensão do mundo.
Em suma, as trovas de Messias da Rocha são um convite à introspecção e à empatia. Elas nos lembram da complexidade da vida, da beleza nas pequenas coisas e da necessidade de confrontar as verdades que muitas vezes evitamos. Ao explorar a intersecção entre o pessoal e o social, o poético e o político, Messias nos oferece uma visão profunda e multifacetada da experiência humana, fazendo de sua obra um legado duradouro na literatura brasileira.
Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.
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