Antônio Sales (Paracuru/CE, 1868 - 1940, Fortaleza/CE)

- A certa moça, na rua

bradei com sinceridade:
- Vossa Excelência é a Verdade!
- Por quê? - Porque está tão nua!
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- A fealdade é um direito;
por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito...
Perdão: a senhora abusa!
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A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses... mulher de Adão.
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— As cobras que tem no anel,
certo médico alopata,
são, de certo, cascavel:
onde ele põe a mão, mata!
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(A um juiz) 

- A tua venalidade
não tem, neste mundo, a gêmea,
foi uma felicidade
não teres nascido fêmea...
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- E difícil que aconteça
dor de cabeça ela ter:
pode a dor aparecer,   
mas não encontra cabeça...
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— Em certo escritor satírico,
de uma irreverência atroz,
nós achamos muito espírito...
quando não fala de nós.
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- Em tua genealogia
Fidalgo, vais longe... Até
que hás de chegar, algum dia,
ao Congo, Angola ou Guiné...
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Eu conheço um plumitivo*,
cheio de vaidade imensa,
que anda sempre pensativo
e apenas pensa que pensa.
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- "Não gosto de ouvir tolices!" -
exclamas, estomagado;
Para que não as ouvisses,
devias ficar calado.
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- Para que não te despraza**
ver gente má pela frente,
precisas primeiramente
não ter espelhos em casa...
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— Passa na estrada um camelo
e um corcunda palpitante
de alegria, disse ao vê-lo:
- "Mas que animal elegante!"
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- Vi um médico fardado...
Que perfeito matador:
quem escape do soldado,
não escapa do doutor...
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Notas:
*  Despraza – do verbo desprazer.
** Plumitivo – escritor ou jornalista sem méritos.

Fonte:
R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.