segunda-feira, 18 de março de 2019

Raul Poli (1946 – 2004)


A coragem é virtude
que enobrece o coração,
e mais atinge amplitude,
ao defender-se um irmão.

A façanha mais bonita
que alguém pode realizar,
é alegrar-se na desdita,
e sem pedir, ofertar.

Ancião, por que tens no olhar
dor profunda, sem igual?
- Só estou saudoso a lembrar
dos meus tempos de Natal…

A vida que nós amamos,
não passa de uma ilusão,
pois nela nos encontramos,
envoltos na escuridão.

A vida sempre a passar
arrasta todos com ela,
despeja prata o luar,
banha o beiral da janela.

Era pequeno e custava
pôr-me de pé a caminhar,
só percebi quando estava
aos pés da cruz a rezar...

Escritor sem dicionário
não atinge a perfeição.
Qual caneta é necessário,
igual os dedos da mão.

Estrela rica e brilhante
explode, dentro de mim,
como se fosse um diamante
com mescla de carmesim.

Eu sinto a vida enfadada
e tão inúteis meus dias...
– Não precisas fazer nada,
basta apenas que sorrias...

Eu tenho a chave da vida
que fecha a porta da dor.
Cura males e a ferida,
a excelsa chave do amor.

Fulge a lua prateada,
é pura voz da razão,
ouvir-se a boca fechada,
é o cantar do coração.

Lá nas paragens do Além,
no renascer verdadeiro,
a flauta doce do Bem,
há de soar por inteiro.

Lutava tanto por fama
que veio a tê-la de fato.
Por sossego agora clama,
busca refúgio no mato.

Na clara noite estrelada,
só valem letras escritas,
na campina ensolarada,
pedras também são bonitas.

Não preciso e não careço
ir ao encontro de um jardim
pois o mais belo adereço
se encontra dentro de mim.

Nesse mundo degradante
o decente perde espaço.
Rotulado a todo instante
com o timbre de palhaço...

No plano em que nós vivemos,
estamos mortos, ao certo,
por isso é que apenas vemos
dores e angústias por perto.

No rico pampa gaúcho
sento num toco no chão
mas sou um monarca de luxo
quando eu sorvo o chimarrão.

Olho pro céu, me parece
a cor de lá esmorecer,
talvez estrelas em prece
pela ventura de ver.

O que chamamos de morte,
e tanto nos faz chorar,
na verdade é a grande sorte,
glorioso retorno ao Lar.

Os rudes nossos avós
que eram sábios também,
legaram ditos pra nós
vermos das brumas além.

Quando o trabalho me cansa
ao chegar o fim do dia,
a minh’alma então descansa
nos acordes da poesia.

Quem não puder entender,
não se importe co’a demora.
O mais prudente é saber:
pra tudo há tempo e hora...

Quero-quero, sentinela,
no meio da noite grita,
espalhando que é por ela
que minha alma anda proscrita...

Sala nobre e iluminada,
partiu-se a mais fina taça,
tradição longa quebrada,
resta diamante com jaça.

Se me persegue um ladrão,
busco do guarda a perícia.
Agora, pergunto, então:
– Quem me salva da polícia?

Tangem, solenes, os sinos,
um monge canta, distante.
Na sinfonia dos dois hinos,
faço uma prece, exultante.

Todo mundo arruma um jeito
de eleger sua mãe, rainha.
Mas no reino do meu peito,
tenho um trono só pra minha.

Tudo tem igual valor,
no meu tranco de solteiro:
– Caso com o último amor,
mas lembrando do primeiro...

Um brilho fraco e distante,
do mais suave fulgor,
me acena muito lá adiante
pois era a estrela do amor.

Vamos fazer o correto,
de nossa vida um resumo:
tu serás meu objeto,
eu serei o teu consumo...

Vida, suprema magia,
hino de canto e louvor,
é luz que vibra e irradia
a plenitude do amor.
 ___________________________________
Fonte:
Trovas de Luiz Damo e Raul Poli. Coleção Terra e Céu vol. XXXV. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2016.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)

  por José Feldman Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas caracte...