segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Edgar Barcellos Cerqueira (1913 - ????)


A amizade só persiste
quando a gente, sem má fé,
não exige que o que existe
seja mais do que ele é.

A criança, num segundo,
domina o que o céu lhe deu:
- Deus lhe faz todo este mundo,
ela sonha... e faz o seu !

A felicidade é feita
do valor que é dado ao bem.
É o muito que se aproveita
do pouco que a gente tem.

A lágrima que caía,
do teu rosto, ante o sacrário,
falava mais a Maria,
que a prece do seu rosário…

Ante o mundo em descalabro,
sustendo a filha querida,
teus braços são candelabro,
erguendo a chama da vida.

A saudade que agasalho
é resto de amor ardente.
Foi-se o fogo do borralho,
mas ficou a cinza quente...

Bordam, soltos, seus cabelos,
caracóis negros na fronha.
E eu, insone, horas a vê-los,
fico a sonhar com quem sonha...

Brinquedo, no chão, quebrado,
tragédia de pouco enredo:
- um martelo malsinado
e esparadrapo, num dedo!

Cada ação tem sua vez;
o que foi não volta atrás.
Orgulho do que se fez
não dá fama ao que se faz…

Cada vez que tento, em fuga,
mascarar o meu desgosto,
descubro mais uma ruga
a desmascarar meu rosto...

Canarinho cantador,
que perdeste a liberdade,
ganhas fama de "cantor",
quando choras de saudade...

Com uma roupa, vai-se embora…
vem com outra, no arrebol…
Eu vi, no ocaso e na aurora,
as duas roupas do sol…

Conto a vida a uma criança,
mas não conto o que sofri.
Seu caminho é uma esperança;
o meu, eu já percorri...

Criança, - império inocente,
mas, de poder tão profundo!
Quem manda é um pingo de gente
e obedece todo o mundo!

Da praia, curvos coqueiros,
de palmas esfarrapadas,
acenam aos derradeiros
lenços brancos das jangadas…

Decai tanto a sociedade
que o mal chega a ser bom-tom,
e a gente finge maldade,
com vergonha de ser bom...

Duas vidas separadas,
dois amores... Dois queixumes
Duas saudades... Dois nadas...
Somos nós dois, - dois ciúmes!...

Entre santinhos... a fita...
A foto da irmã noviça...
- O meu cartão de visita,
no teu livrinho de missa!

Esquecido, no meu canto,
abro a carta e encontro, grato,
a mensagem de acalanto,
no sorriso de um retrato…

Eu tenho, no meu pensar,
que vitória deve ser
não tanto o saber ganhar,
mas, sim, o saber perder!

Fui ao circo e, vendo a cena
com o olhar do coração,
acabei sentindo pena
da alegria do truão…

Há de ter no Céu guarida
quem, em vida, vence a treva.
- A gente leva da vida
a vida que a gente leva.

Há gente, cuja bondade
faz, de fato, tanto bem,
que a gente sente vontade
de poder ser bom também.

Joga o teu pião, menino,
aproveita a brincadeira,
que a fieira do destino
vai jogar-te a vida inteira...

Mãe, no Céu, onde estiveres,
Deus, por certo, em Seus arranjos,
fez, de um anjo entre as mulheres,
mais um anjo entre os seus anjos.

Não é só fazer carinho,
nem tampouco dar presente.
- Bondade é dar o caminho
para a criança ser gente.

Não lamento o meu passado,
a estrada que percorri.
Choro o que deixei de lado,
a vida que eu não vivi...

Não pude dar mais carinho,
nem pude ser menos rude…
mas existe o nosso ninho,
que construí como pude…

Não se rompe um laço antigo,
sempre há perdão na amizade.
Quem deixa de ser amigo
nunca o foi na realidade.

Nem sempre os irmãos carnais
são irmãos de coração.
Quanto amigo vale mais!
Quanto amigo é mais irmão!

Nossa rede balançando...
Nossa conversa entretida...
A nossa vida passando...
A gente esquecendo a vida...

Nostalgia, a do imigrante,
que, ao sentir não voltar mais,
fica a olhar a onda distante
vir morrer no velho cais…

Olhos negros!… ora sérios…
ora meigos… ora açoites…
profundos… são dois mistérios…
negrume de duas noites!…

O pessimista, em verdade,
não crendo poder vencer,
põe fora a felicidade
muito antes de a perder.

Os olhos do moribundo
se esforçavam, já sem brilho,
por manter seu fim de mundo
preso ao mundo do seu filho...

Pai, partiste e é na saudade
que sinto outra vez, comigo,
o amor do pai de verdade,
a mão do melhor amigo.

Quando soube do segredo
da mulher, ele tremia!
Não de raiva, mas de medo
de saberem que sabia...

Quanto fere uma verdade
maldosa, de frio tom!
Bem melhor, por caridade,
ser mentiroso... mas bom.

Revivendo a antiguidade,
nas relíquias de um museu,
chega-se a sentir saudade
do que não se conheceu…

Saudade – lembrança triste
de tudo que já não sou...
Passado que tanto insiste
em fingir que não passou...

Segredos de alcova!  Delas
transpiram mil travessuras!
Se alcovas não têm janelas,
tèm buraco as fechaduras...

Semeia, filho, semeia,
porque, onde o mar desmaia,
de pequenos grãos de areia,
aos poucos, se faz a praia.

Ser poeta é ver facetas
onde a vida não seduz...
É passar, feito os cometas,
deixando um rastro de luz.

Se tu te abraças comigo,
depois que te castiguei,
me devolves um castigo
que dói mais que o que eu te dei…

Tenho asas, qual condor…
No meu céu de fantasia,
eu ruflo penas de amor,
nas alturas da poesia…

Uma valsa... um tom de voz...
um perfume no jardim...
uma lua sobre nós...
um sonho dentro de mim...

Um coração e dois braços…
No mar da vida só temos,
remando contra os fracassos,
uma vontade e dois remos…

Um retrato amarelado...
uma esperança perdida...
a saudade do passado...
um velho álbum... uma vida!

Vê o povo uma vitória,
às vezes, no que não é.
Colombo ficou na História
sempre pondo um ovo em pé!

Vitória muito estrondosa
provoca as línguas ferinas.
Melhor a vida ditosa,
com vitórias pequeninas.

Vou confessar a verdade:
o meu amor se resume,
de longe, - em sentir saudade...
de perto, - em sentir ciúme!

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