segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Onildo Barbosa de Campos (1924 - 2002)


1
A santa que mais incenso,
minha mãe, já bem velhinha,
sem que eu lhe diga o que penso,
meu pensamento adivinha...
2
A saudade, pensativa,
e alheia ao tempo que avança,
é uma cadeira cativa
onde a velhice descansa...
3
A tristeza aqui não mora!
Meu lar, à luz do Senhor,
feito de pedra – por fora,
por dentro é feito de Amor!
4
A vassoura do bom vento
é aquela que varre, enfim,
das ruas do pensamento,
o pensamento ruim...
5
Castigo é ter, apertado
entre as mãos, na despedida,
um lenço todo molhado
no cais-do-porto da Vida!
6
Cegos de amor, desprezados...
por este mundo de Deus,
meus olhos vivem fechados
depois da fuga dos teus!
7
Correndo, de sorte em sorte,
num desespero crescente,
a gente foge da Morte...
e a Vida foge da gente!...
8
Deus, trovador que se espelha
na inspiração mais ditosa,
compôs a trova vermelha
e deu-lhe o nome de rosa.
9
Dona Saudade, velhinha,
bordadeira paciente,
não tem agulha nem linha,
mas borda os sonhos da gente!
10
É libertando a saudade,
quando me encontro contigo,
que estendo a mão da amizade
para prender um amigo!
11
Fui vaqueiro!... Hoje, sou monge...
Minha saudade, depois,
ficou mugindo, lá longe...
na voz dolente dos bois!...
12
“Jeca Tatu” se consome
na eterna queixa de um ai:
– “Meu Deus, eu morro de fome!”
Responde a Terra: – “Plantai!”
13
Mantendo a alegria acesa,
o teu olhar, tão profundo,
criança, apaga a tristeza
dos olhos tristes do mundo!
14
Na dança e na contra-dança
desta vida, que se evade,
o sol nascente é esperança,
o por-do-sol é saudade!
15
Na fogueira abandonada,
vejo esta imagem, tristonho:
- saudade é a lenha queimada
no fogo azul do meu sonho.
16
Não há mais doce alegria
do que lembrar, ao sol-posto,
de mamãe quando fazia
trovas de beijo em meu rosto.
17
Na vida, que nos consome,
quem tiver coração nobre,
não mata o pobre de fome,
matando a fome do pobre!
18
Numa alcova abandonada,
a saudade, penitente,
a noite inteira acordada,
orvalha os olhos da gente.
19
Nunca se apresse à conquista
de alguém de muita promessa...
que o amor, à primeira vista,
foge da vista, depressa!...
20
O Morro vive cansado!…
Sem pão, sem lar, sem escolas,
é um chapéu velho emborcado,
de tanto pedir esmolas!
21
Para o céu te levaria,
em troca do teu carinho,
se me ensinasses, Maria,
onde começa o caminho...
22
– Por que a Deus, a alma volvida,
agradeço o que me deu?!
– Porque me deu tanta vida,
que a Morte já me esqueceu!
23
- Por que a gente engana o tédio
quando a lembrança é ternura?!...
- Porque a saudade é o remédio
de um mal que não tem mais cura!
24
- Por que dormir docemente,
num travesseiro sem fronha?!
- Porque a humildade da gente,
quanto mais dorme... mais sonha!
25
- Por que matar um Poeta,
se é irmão de Deus, quer viver?!
- Porque a Morte, analfabeta,
seus versos não sabe ler!
26
- Por que não se firma em pé
a alma descrente... abatida?!
- Porque, em se perdendo a Fé,
perde-se a vida da vida!
27
– Por que o Mal não tem segredo
e seu castigo está perto?!
– Porque, mais tarde ou mais cedo,
o Mal sempre é descoberto!
28
Por que o olhar de mãe, se ingrato
é o filho, nunca o magoa?!
- Porque revela o retrato
do coração que perdoa!
29
Por sobre as ondas serenas,
a gaivota, em seu compasso,
é uma tesoura de penas,
cortando o pano do espaço.
30
- Quem é Deus?! Ninguém, no mundo,
ao certo dirá! Por quê?
- Porque é o Mistério profundo
que a gente vê... mas não vê!
31
Quem vive cego de amor
– frase que trago de cor -
embora de olhos fechados,
enxerga a vida melhor.
32
Sábio é toda criatura
que vive da inteligência,
colhendo a espiga madura
do milho da experiência!
33
Saudade, vida da vida
de um sonho que se desfez.
É uma vontade incontida
de sonhar tudo outra vez!
34
Sem te esperar, desespero
se te procuro esquecer..
Pois quanto menos te quero,
mais te quero, sem querer!
35
Sou trevas!... Mas, se, a contento,
bebo luzes... ao bebê-las,
no luminoso momento,
eu viro noite de estrelas!
36
Teu amor não tem segredo,
criança. Teu coração
até parece um brinquedo
que passa de mão em mão…
37
Teus olhos, cor de esperanças,
fogem... Teimoso, os persigo!...
- Parecem duas crianças
brincando de amor comigo.
38
Três Marias, três amores
passaram pelos meus dias..
Ficou Maria das Dores,
- a dor maior das Marias!
39
Tu vives andando a esmo
por distâncias… e eu, aqui,
quando me abraço a mim mesmo,
é com saudades de ti.
40
Venho de longe… e pressinto
que para longe prossigo…
– Sem dizer tudo o que sinto,
eu sinto tudo o que digo.

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