domingo, 11 de junho de 2017

Manita (1922 - 2011)


1
A mesma rua... o sobrado...
a igreja, a esquina, o jardim...
e uma porção de passado
grisalho, dentro de mim!
2
Amor de outono é profundo,
calado, intenso, tranquilo;
e não há forças no mundo
que consigam destruí-lo!
3
Bate ao longe a Ave Maria...
A noite vem, devagar,
e o farol é a estrela-guia
para os pastores do mar…
4
Chorou meu rosto escondido
quando você me deixou...
Naquele instante sofrido,
minha máscara chorou!…
5
Colho as bênçãos generosas
que iluminam meus caminhos,
entre a incerteza das rosas
e a certeza dos espinhos…
6
Com que ardor nos abraçamos...
E do sonho entre os desvãos,
de olhos fechados rezamos
uma prece a quatro mãos!
7
Com teu calor, vem e aquece
meu triste corpo vazio...
Vem, meu amor, que anoitece,
e estou tremendo de frio.
8
Despedida... o adeus rolando
de nossas mãos, devagar;
e as nossas almas chorando,
sem se poder separar!
9
Do crepúsculo à alvorada,
entre gorjeios dispersos,
o canto da passarada
é rima para os meus versos!
10
Embora o amor me convença
de que você vai voltar,
o espantalho da descrença
não me permite sonhar!…
11
Entre esperanças tão minhas,
cada verso que componho
esconde, nas entrelinhas,
os mistérios do meu sonho!
12
Era o adeus... palavras breves...
Que grande castigo o nosso:
podes lembrar-me e não deves;
quero esquecer-te e não posso!
13
Exerces tanto domínio
tanto poder sobre mim,
que eu abençoo o fascínio
dessa magia sem fim…
14
Foste embora... E eu, sem revolta,
sem mais ouvir tua voz,
tenho o mundo à minha volta,
e uso a máscara dos sós!
15
Libertei-me dos seus braços,
e desatei, nó por nó,
dos sonhos, todos os laços:
hoje eu sou livre... mas só!
16
Máscara... O rosto do avesso,
a dor buscando a ilusão,
que o sorriso não tem preço,
quando esconde a solidão!…
17
Mascara o teu sofrimento,
disfarça o teu dissabor,
que os amores de um momento
não são momentos de amor!
18
Meu pensamento vagueia
num mar de angústia sem fim;
a tua ausência semeia
tristeza, dentro de mim.
19
Na esquina da minha crença,
você, que estranha miragem -
fez-se ausência na presença;
foi meu porto sem viagem…
20
Na incerteza dos caminhos,
sem amanhã nem depois,
chego à esquina dos sozinhos,
procurando por nós dois.
21
No espelho das águas mansas,
a lua cheia, a brilhar,
vai guiando as esperanças
dos que anoitecem no mar!
22
Os teus braços me abraçando...
Tuas mãos dentro das minhas...
Devaneio, adivinhando
que tu também me adivinhas...
23
Ouvindo, a cada momento,
o que você não me diz,
fecho os olhos, lento e lento,
devaneio... e sou feliz!
24
Partilhaste, às escondidas,
de um amor, só de nós dois,
sabendo que em nossas vidas
não haveria o “depois”...
25
Passeio as mãos no teu rosto,
devagar... devagarinho...
Devaneios de sol posto,
no outono do teu caminho!
26
Pelo que eu busco e não tenho,
pelo que eu tive e não quis,
fecho os olhos e me empenho
em sonhar que sou feliz...
27
Por que tanta indiferença,
calculada, presumida,
se eu sei que sou a presença
mais presente em sua vida?!
28
Por timidez me afastei
quando seguias meus passos,
mas em sonhos eu te amei,
e amanheci nos teus braços…
29
Quando era pequenina,
brincava de esconde-esconde;
os meus sonhos de menina
a vida escondeu - mas onde?
30
Quantas almas irmanadas
por sentimentos iguais,
têm que viver separadas
por convenções sociais!
31
Quebrem-se amarras, correntes,
que o sonho de liberdade
não morreu com Tiradentes,
ficou para a eternidade…
32
Saudade - ausência dorida
nas cordas de um violão;
- a canção de minha vida
na vida de uma canção.
33
Se é proibido este amor,
que em prantos me faz rainha,
louvado seja o Senhor,
por esta dor que é tão minha!
34
Tiradentes, firmes passos,
vai para a morte, com fé:
- o corpo, rola aos pedaços,
os sonhos ficam de pé!...
35
Tu sofreste de tal jeito...
Não sofri menos, bem vês...
Um sonho de amor, desfeito,
fere dois de cada vez.
36
Você voltou... e o tormento
da longa espera sofrida,
se transformou no momento
mais feliz da minha vida!…
37
Vós, esperanças, por serdes
mensageiras da alegria,
tornastes muito mais verdes
meus sonhos de cada dia!

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