segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Amália Max (1929 - 2014)


1
A ermida à beira da estrada
plange seu sino de um jeito
que eu sinto a corda amarrada
na saudade do meu peito…
2
A esperança em nossa vida,
pelo valor que ela ostenta,
pode até ser resumida
como o pão que nos sustenta.
3
A fonte, singelo fio,
contorcendo-se em cansaços,
encontra por fim um rio
e então se atira em seus braços.
4
A gota d'água nascida
de veio farto e profundo,
é a fonte da nossa vida
e a própria vida do mundo.
5
Ao cortar a trança loura,
minha infância em despedida
deixou na fria tesoura
saudosos fios de vida.
6
As estrelas consteladas,
por mais que se ache esquisito,
são simples tachas douradas
prendendo o céu no infinito.
7
A sorte tem seus encantos,
seus agrados, seus engodos;
às vezes agrada a tantos,
mas jamais agrada a todos!
8
A vida anda tão tristonha…
pobreza…fome…agonia…
que eu chego a sentir vergonha
de às vezes ter alegria!
9
A vida deu-me esta dor;
e hoje entre a dor e a lembrança,
sou um cheque ao portador,
sem fundo para cobrança.
10
Chegaste, assim de repente,
na minha vida vazia
trazendo um sol ainda quente
quando já entardecia.
11
Com as piruetas que faço
a escapar da solidão,
apareço um novo palhaço
aprendendo a profissão.
12
Com mil retalhos tristonhos,
que rasguei do coração,
fiz uma colcha de sonhos
e agasalhei a ilusão.
13
Depois do enxerto a coitada,
que quis o rosto alisar,
agora vive assustada…
Seu rosto só quer sentar!
14
Depois, que um dia, partiste
nesta rua só choveu.
Será que esta rua é triste
ou triste nela sou eu?
15
Disfarçando... Disfarçando...
o sol, malandro das horas,
vai aos poucos levantando
a saia azul das auroras.
16
Fico em silêncio e ouço os passos
de quem não vai mais chegar…
Então abraço os meus braços
e não paro de chorar.
17
Galanteios, que em verdade,
quis dizer-te ou ter escrito,
hoje, finda a mocidade,
sinto dor por não ter dito.
18
Laranjais de minha infância,
frutos que alegre colhi,
hoje olho para a distância
e choro porque cresci!
19
Levo na face enrugada
e na fronte embranquecida
a passagem, comprovada,
de que viajei pela vida.
20
Lindas flores de ilusão
dentro de vaso sem água
logo, logo murcharão
passando a chamar-se “mágoa”.
21
Maria partiu... Maria
que nunca disse a verdade
mas era, quando mentia,
bem melhor que esta saudade.
22
Meus olhos azuis se embaçam,
acabando por chorar,
quando meus braços se abraçam
por não ter quem abraçar.
23
Meus ternos sonhos de outrora,
hoje maduros demais,
despencam de hora em hora
dos ramos do nunca mais.
24
Minha vida é tão vazia
tão cheia de solidão
que a sombra que eu possuía
não mais me segue no chão.
25
Mistério tem o meu peito
que guarda com suavidade,
num espaço tão estreito,
a vida, o amor e a saudade.
26
Muitos recebem de graça
o bom vinho da alegria;
eu pago mas minha taça
a vida deixa vazia.
27
Não faça da despedida
um momento de revoltas;
o amor tem portas na vida
com chave de várias voltas.
28
Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
29
Não vens... e, em tuas demoras,
na angústia das madrugadas,
o relógio bate as horas
e as horas dão gargalhadas.
30
Não vens há meses inteiros;
e enquanto conto as auroras
a tesoura dos ponteiros
lentamente corta as horas.
31
Nas noites de paz eterna,
vigiando a escuridão,
toda estrela é uma lanterna
que um anjo leva na mão!
32
Na velha praça, embalado
por lindo sonho vadio,
apalpo o banco a meu lado
mas meu lado está vazio.
33
Nem sempre o sorriso diz
se é mesmo contentamento.
Quando alguém não é feliz,
ser alegre é sofrimento.
34
No instante em que nossa prece
sobe a escada do infinito,
pela mesma escada desce
a paz que acalma o conflito.
35
O tempo em sua investida,
como sentença, suponho,
rouba-me um pouco da vida
e muito de cada sonho.
36
Para os que seguem sozinhos,
descalços e combalidos,
que importa ter mil caminhos
se todos são proibidos?
37
Partindo da meninice
é que o trem do tempo avança
e na estação da velhice
deixa saltar a esperança.
38
Partiste... já não te importas
que em nossa casa singela
a ventura feche as portas
e a saudade abra a janela.
39
Partiu a jangada airosa
Na praia ficou Maria,
pedindo, de alma ansiosa,
que ela volte ao fim do dia.
40
Pergunto frequentemente:
felicidade, onde estás?
Será que corres na frente
ou ficaste para trás?
41
Quando o passado é turista
no trem do meu coração,
a saudade é maquinista
e o meu peito uma estação.
42
Quanta ternura em agosto:
o vento que beija o ipê
vem também beijar meu rosto
depois de beijar você.
43
Que importa a nós dois o mundo
Que importa o lugar que vamos…
Nosso amor é tão profundo
que só de nós precisamos!
44
Ralhando com seus porquinhos
a porca, mãe exemplar,
vendo-os, assim, bem limpinhos…
- já pro barro se sujar !!!
45
Relógio, fique parado!
Não deixe o tempo passar…
Eu quero ser enganado
quando a velhice chegar!
46
Sabiá põe em seu canto
tal ternura que ao cantar,
mais parece um acalanto
para a alma cochilar.
47
Saudade... insônia que aspira
ouvir na calçada passos,
mesmo sendo outra mentira
a vir dormir nos meus braços.
48
Saudade! Não, não se cale
porque ante um circo aproveito
e deixo que ele se instale
no calçadão do meu peito!
49
Se é por um amor que choras
enxuga os olhos... Repara:
se o relógio pára as horas,
nem por isso a vida pára.
50
Se me deixas por vontade…
se vais para não voltar…
O que é que eu digo à saudade
amanhã, quando acordar?
51
Sem mesmo ter ido ao céu
já caminhei sobre a lua!
Foi um dia andando ao léu
pisando as poças da rua.
52
Sem ter com quem conversar,
o velhinho solitário
usa as mãos para rezar
conversando com o rosário.
53
Sentindo a luta perdida,
nos fracassos e derrotas,
abraço o circo da vida
para as minhas cambalhotas.
54
Solidão é chuva fina
que encharca o chão sem correr;
e às vezes faz que termina
mas... recomeça a chover.
55
Solidão é vento frio,
vento calmo mas gelado
deixa o meu peito vazio
e ainda dorme ao meu lado.
56
Sonhos meus... joias de outrora
qual ouro sem um quilate,
enferrujam na penhora
sem ter mais quem os resgate.
57
Também o céu triste estava
no momento em que eu partia:
não sei se o céu que chorava
ou dos meus olhos chovia!
58
Todo rio em sua andança
com mão de seda e desvelos
alisa, trança e destrança
da margem verde os cabelos.
59
Vejo ternuras pagãs
quando o sol, por entre os galhos,
cobre a nudez das manhãs
com seu lençol de retalhos.
60
Velhice... circo que a vida
armou no fim da ladeira,
de onde a solidão convida
para a sessão derradeira.
61
Viajando à sua maneira
no trem-de-ferro da vida,
juventude é passageira
com passagem só de ida.
62
Voltaste... voltaste, eu sei,
mas o encanto foi desfeito;
agora já repintei
as paredes do meu peito.

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